(Carta Capital, 20/04/2015) Um comprimido promete fundar a era pós-camisinha da prevenção ao HIV
Use camisinha! Por 30 anos, essa foi a única palavra de ordem para prevenir a transmissão do HIV. Não é mais assim.
Em 2010, foi publicada uma pesquisa demonstrando, pela primeira vez, que a administração diária de um comprimido de Truvada, para homens que fazem sexo com homens e mulheres transgênero HIV-negativos, reduzia em 92% os índices de novas infecções.
Nesse estudo, cerca de metade dos participantes tomou a medicação irregularmente. Neles, a proteção foi bem mais baixa: 44%.
Mais tarde, outra pesquisa, agora conduzida entre casais heterossexuais discordantes (apenas um dos parceiros infectado), com níveis superiores de aderência à medicação, mostrou que 75% ficaram protegidos da infecção.
Apesar do impacto desses resultados, o uso de medicamentos antivirais como estratégia de pré-exposição gerou controvérsias. A objeção maior foi o receio da “desinibição comportamental”, conduta que levaria a abandonar o preservativo e a correr riscos maiores.
Uma série de estudos sobre profilaxia pré-exposição foi discutida na Conferência sobre Retrovírus e Infecções Oportunistas, realizada na última semana de fevereiro deste ano, na cidade de Seattle.
Um dos mais importantes, batizado Ipergay, investigou a possibilidade de prevenção sem haver necessidade de tomar os comprimidos todos os dias, mas usá-los apenas “sob demanda”.
Foram selecionados 414 homens HIV-negativos, na França e no Canadá. Os participantes receberam a orientação de tomar os comprimidos apenas antes e depois da relação sexual (sob demanda). Nenhum deles sabia se os comprimidos fornecidos continham Truvada ou uma preparação inerte de talco (placebo).
No final, entre os que receberam placebo, houve 14 homens infectados pelo HIV, enquanto no grupo que tomou Truvada, foram apenas dois. A redução do número de infecções foi de 86%.
Um estudo realizado em Uganda e no Quênia por pesquisadores da Universidade de Washington procurou reforçar a eficácia da pré-exposição em casais discordantes.
Quando o parceiro infectado consegue zerar a carga viral à custa de medicamentos, o risco de transmissão fica pequeno. O problema é que muitos deles deixam de tomar, tomam irregularmente ou não têm acesso à medicação antiviral. Mesmo naqueles que o fazem com regularidade, a carga viral só se torna indetectável depois de alguns meses.
Foram acompanhados 1.013 casais discordantes. Os parceiros HIV-negativos receberam o medicamento Truvada para protegê-los durante os seis primeiros meses em que seus parceiros HIV-positivos eram tratados com os esquemas antivirais clássicos.
Até o momento, apenas duas pessoas foram infectadas pelos parceiros, nenhuma das quais tinha Truvada detectável na circulação, quando a transmissão ocorreu. Segundo um modelo preditivo deveria haver 40 infectados, caso não tivessem recebido Truvada na pré-exposição.
Os especialistas consideram a profilaxia pré-exposição uma arma de eficácia comprovada para conter a disseminação da epidemia. Está mais do que na hora de ser adotada pelo Ministério da Saúde.
Acesse no site de origem: Profilaxia pré-exposição, por Drauzio Varella (Carta Capital, 20/04/2015)