(O Tempo, 03/04/2016) Câmara Federal tem propostas para combater prática, que ocorre de forma velada nas maternidades
“Pedi para descer da maca e caminhar para ajudar no trabalho de parto, mas não me deixaram. Era mais uma regra do hospital”. A jornalista Luciene Câmara, 34, tinha consciência de que o que estavam fazendo com ela na maternidade, no dia em que dava à luz seu primeiro filho, era a chamada “violência obstétrica”. Já é comprovado, segundo especialistas, que a posição vertical favorece naturalmente a saída do neném. Ainda assim, a gestante hesitou em reclamar e se sentiu vulnerável. “Tive medo de questionar muito e isso interferir no tratamento que eu e meu bebê receberíamos”, conta.
Luciene não está sozinha nas lembranças. O momento, esperado com tanto amor, para muitas mães se converte em uma experiência desumana. Assim, as palavras ditas em 2011 pelo médico francês Michel Odent, conhecido pela defesa do parto natural, se encaixam perfeitamente nesse contexto: “Para mudar o mundo, primeiro é preciso mudar a forma de nascer”.
Um dos caminhos para o fim da violência obstétrica está em previsões legais para assegurar um parto mais humano. Nesse sentido, tramita, há quase dois anos, na Câmara dos Deputados, em Brasília, o Projeto de Lei 7.633, do deputado Jean Wyllys (PSOL). Ele prevê à gestante a garantia do parto humanizado, do acompanhamento, da correta informação sobre procedimentos e direitos, além da mínima interferência médica. A proposta aguarda parecer do relator na Comissão de Educação da Casa.
Velada. Na verdade, o projeto de Jean Wyllys faz um compilado de legislações e portarias de saúde já em vigor para proteger os direitos dos futuros mães e pais. Especialistas e ativistas da causa apontam que a violência obstétrica – ou violência institucional na atenção obstétrica – ocorre de forma tão velada que não há obrigação de notificação dos casos por parte das autoridades, como acontece com a violência doméstica, por exemplo. Não há, portanto, informações oficiais sobre essa realidade. Poucas mulheres recorrem à Justiça, e, em Belo Horizonte, a Defensoria Pública não tem nenhuma demanda desse tipo.
“A violência obstétrica está muito relacionada à visão da mulher. Muitas não percebem o que é a violência sobre seu corpo. É preciso disseminar informação”, diz Sônia Lansky, coordenadora da Comissão Perinatal da Secretaria Municipal de Saúde de BH.
Pesquisas mostram, porém, que, já em 2010, uma em cada quatro mulheres sofriam violência no parto no Brasil. No caso de Luciene Câmara, dentre outras agressões, ela teve, a contragosto, seu parto induzido com ocitocina sintética, que estimula dilatação e contrações. Sem consulta ou conversa, o obstetra fez a episiotomia (corte da vagina) e usou o fórceps, uma espécie de concha para ajudar a puxar o bebê.
Outra proposta
Federal. O deputado federal Marco Feliciano (PSC) possui projeto de lei para tornar a violência obstétrica crime de constrangimento ilegal, mas há críticas de que o projeto minimiza a situação.
Joana Suarez
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