A luta pelo direito ao aborto seguro continua a agitar a América Latina. Em setembro, ele foi descriminalizado no México, via Suprema Corte. No Brasil, a ministra Rosa Weber, do Supremo Tribunal Federal (STF), votou para despenalizá-lo. A discussão sobre a interrupção da gravidez em qualquer situação, por aqui, ainda se arrasta. Mas há outra luta, necessária e urgente, que deve ser travada agora: a garantia do direito ao aborto nos casos em que já é legal – a saber: quando o bebê é diagnosticado com anencefalia, em caso de risco à vida da mãe e quando a gravidez resulta de um estupro.
Uma das mulheres que está na linha de frente desta batalha é Helena Paro, médica ginecologista que trabalha no Núcleo de Atenção Integral às Vítimas de Agressão Sexual, o Nuavidas, no ambulatório de ginecologia e obstetrícia do Hospital de Clínicas da Universidade Federal de Uberlândia (MG). Ela atua em um dos poucos locais onde o aborto é realizado no Brasil – segundo relatório publicado em junho de 2019 pela organização de direitos humanos Artigo 19, apenas 76 hospitais realizam o procedimento. A médica está sendo perseguida.
Helena e o Nuavidas foram tema de reportagem em vídeo (que você assiste acima) realizada pelo Outra Saúde em parceria com a rede global Movimento pela Saúde dos Povos (MSP). Na ginecologia do HC de Uberlândia, funciona um dos principais centros de acolhimento de mulheres vítimas de estupro, onde o aborto pode ser realizado com rapidez e segurança. Como mostra nossa reportagem, brasileiras chegam a viajar longas distâncias para chegar ao Triângulo Mineiro e ter seu direito garantido pelo SUS.
A ginecologista já era referência na realização do aborto seguro nos casos previstos em lei, mas um projeto específico a fez ficar conhecida pelo grande público. Foi a elaboração de uma cartilha para orientar a realização do abortamento medicamentoso por telessaúde. Ela sentiu a necessidade de abrir essa alternativa às mulheres que procuravam o Nuavidas durante a pandemia. Criou um protocolo de acolhimento presencial da paciente, seguido por assinatura de termos de compromisso que permitem que ela retire um número restrito de comprimidos de misoprostol e faça o procedimento em casa, com acompanhamento por telefone. Caso necessário, ela pode entrar em contato direto, a qualquer momento, com as médicas e psicólogas do Nuavidas. Ao perceber a eficácia do protocolo, Helena quis que outros centros de saúde pudessem realizá-lo.