Nós, da Rede Feminista de Ginecologistas e Obstetras, observamos com profunda preocupação os números alarmantes da pandemia de COVID-19 no país, com quase 340.000 mortes e tendo já ultrapassado a média diária de quatro mil mortes. Além disso, sabemos que a pandemia em todo o seu curso afetou de forma desproporcional as mulheres, especialmente as mais vulneráveis, em múltiplas dimensões. De acordo com a ONU, “em todas as esferas, da saúde à economia, segurança à seguridade social, os impactos da COVID-19 são exacerbados para mulheres e meninas simplesmente por causa de seu sexo”.
Além disso, pudemos observar durante todo o ano de 2020 um expressivo aumento do número de mortes maternas provocadas por COVID-19 no Brasil. Desde abril do ano passado pesquisadoras brasileiras têm advertido e publicado estudos demonstrando a seriedade do problema (1, 2, 3). O número crescente de mortes durante a gravidez ou no puerpério levou o Brasil a uma posição tal em que oito de cada 10 mortes maternas relatadas no mundo ocorriam em nosso país (4).
Embora evidências diversas tenham se acumulado de que a gestação e o pós-parto aumentam o risco de complicações e morte por COVID-19 (5,6), também é certo que houve falhas assistenciais em proporção significativa das mortes maternas em nosso país. Além da desorganização dos serviços de assistência pré-natal, com suspensão de consultas, encontramos problemas importantes de acesso ao atendimento adequado da COVID-19, falta de testes diagnósticos, falta de insumos terapêuticos e de leitos de UTI específicos para a população obstétrica. Um dos estudos analisando os casos de Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG) na gravidez e pós-parto demonstrou que entre as mulheres que morreram, 6% não foram sequer hospitalizadas, cerca de 40% não foram admitidas em UTI, 43% não receberam ventilação mecânica e 26% não tiveram acesso a qualquer tipo de suporte respiratório. Mais ainda, dentre os fatores associados ao óbito foram encontrados estar no puerpério, ter cor preta, viver em área periurbana, não ter acesso ao Programa de Saúde da Família e morar a mais de 100km do hospital de referência (7). Essa associação com o racismo estrutural já tinha sido demonstrada em outro trabalho que encontrou piores desfechos e risco de morte materna quase duas vezes maior em mulheres negras (8).
Confira o chamado da Rede Feminista de Ginecologistas e Obstetras na íntegra.