(Jornal Hoje, 20/10/2015) Série especial do Jornal Hoje procura explicar como o país chegou a 55,6% de cirurgias. OMS defende o procedimento em até 15% dos casos.
O nascimento de um bebê é sempre emocionante, uma alegria. E aí pouco importa se é um parto normal ou uma cesariana. O bebê nasce, os pais ganham um filhinho lindo.
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Mas as diferenças entre um tipo de parto e outro são importantes e a Organização Mundial da Saúde, a Sociedade Brasileira de Obstetrícia e o Ministério da Saúde dizem que a preferência tem que ser pelo parto normal. A cesariana tem mais riscos, para a mãe e para o bebê. “O bebê que nasce de uma cesárea, em relação ao parto normal, é um bebe que tem mais dificuldade em respirar sozinho. Então, muitas vezes esse bebê até acaba recebendo oxigênio ou até necessitando de internação em UTI neonatal”, explica a coordenadora do Hospital São Luiz, Márcia Maria da Costa.
Em 2009, o Brasil se tornou o primeiro país do mundo onde mais da metade dos bebês não nasce como a natureza prevê. “O modelo brasileiro está formatado para ter cesariana. É muito mais fácil você ter uma cesariana do que um parto normal. O paciente entra pela portaria, é encaminhado para o centro cirúrgico, faz o seu procedimento e volta para seu quarto”, diz Jeyner Valério Junior, coordenador do Hospital Santa Isabel (Jaboticabal, SP).
No último levantamento, de dois anos atrás, 55,6% dos partos foram cesarianas, um recorde mundial. A média internacional é de 30%, embora a Organização Mundial de Saúde considere entre 10% e 15% o índice ideal. Como fomos parar tão longe desse ideal? Por quê?
É fruto de fatores diversos, mas sempre relacionados a um processo de informação ou de vivências traumáticas pelas quais passaram. E também tomada essa decisão, a realidade existente hoje no Brasil é de maternidades públicas muitas vezes sem condições, com um número de médicos insuficiente, a demanda assistencial, sem materiais necessários.
“Eu cheguei ainda querendo cesárea, porque eu já estava com três para quatro centímetros, já estava sentindo as contrações bem fortes. E medo, né? Eu achei que eu fosse suportar a dor até o fim”, conta a enfermeira Marliéria Pizardo. Ela suportou as dores e teve o filho Davi por parto normal.
O maior medo das mulheres é a dor, mas elas temem também a violência obstétrica. Segundo dados da Fundação Perseu Abramo, uma em cada quatro mulheres passa por esse absurdo na hora de ter um filho. Muitas nem sabem, mas já foram vítimas desse tipo de violência. Os maus tratos vão da impaciência dos médicos e enfermeiros com o trabalho de parto — que pode levar muitas horas – até a episiotomia, o corte do músculo do períneo para aumentar o tamanho do canal por onde passa o bebê. Uma prática que hoje é considerada desnecessária na maioria dos casos, mas que ainda é feita em mais da metade (53,5%) dos partos normais.
“Tem mulheres que ouvem experiências negativas da mãe, da tia, e aí elas ficam com aquele sentimento ruim na hora do parto, que ela vai ser cortada, que vão gritar com ela, que ela vai sofrer, vai ficar sem comer. Então essas experiências ficaram sendo determinantes na decisão de fazer o parto por via alta, que é a cesariana”, afirma o enfermeiro obstetra Rafael Cleison Silva dos Santos.
A cesárea começou a virar moda nos anos 70, quando as mulheres aproveitavam a mesma cirurgia para ligar as trompas, como método contraceptivo. Depois, com o avanço dos planos de saúde, virou praxe. Hoje, 84,5% dos partos nos convênios são cesarianas.
As facilidades da cesárea agendada atenderam bem aos hospitais, aos médicos e também às grávidas. “Quando eu soube que estava grávida, a minha idéia de cara já era o parto cesariana”, lembra a psicóloga Rubia Maiara do Carmo Cordeiro, de 28 anos, mãe do Gilson, de um ano.
Muitas gestantes passaram não só a preferir como a exigir esse tipo de parto. E não só para não sentir dor. “Eu prefiro lidar com o certo, do que com o que eu não tenho certeza. O certo que eu digo é chegar no hospital, saber que tem uma equipe te esperando, saber que vai conseguir fazer o teu parto com a médica que fez o pré-natal. Que com uma hora, uma hora e meia, vai terminar o seu parto”, defende Rubia.
A cesárea se impôs a tal ponto que, hoje, quem opta por um parto normal tem que batalhar muito para fazer valer sua vontade.
“A maioria das mulheres que eu conheço tiveram uma cesárea. Muitas relatam ‘é porque eu fiquei 12 horas em trabalho de parto e não tive dilatação’, ‘tive uma cesárea porque de última hora minha pressão subiu’, ‘tive uma cesárea porque eu tive uma diabetes gestacional’. E aí eu via tudo isso e pensava ‘que medo que aconteça tudo isso comigo’. Mas, pesquisando, estudando, eu vi que nada disso precisa ter uma cesárea”, defende a gerente de trade marketing Camila Dias.
Camila tem plano de saúde e passou por quatro médicos até conseguir um que garantisse que ela não passaria por uma cesárea sem necessidade.
Joyce ouviu desculpas diferentes de três médicos. “Um médico disse que, por conta da minha idade, primeira gestação, que já não era mais recomendado fazer parto normal”. Ela tem 31 anos.
Joyce teve a Sara de parto natural, como pretendia, no dia 11 de setembro. A Camila ganhou bebê no dia 8 de outubro em uma cesariana de urgência que salvou a vida da pequena Alice. As quatro passam muito bem.
Patrícia Taufer
Acesse no site de origem: Brasil é recordista mundial em cesáreas (Jornal Hoje, 20/10/2015)