Ativistas e membros da sociedade civil reunidos na Reunião Extraordinária da Mesa Diretiva da Conferência Regional sobre População e Desenvolvimento da América Latina e Caribe, na cidade de Santiago (Chile), repudiam o retrocesso em relação aos direitos sexuais e reprodutivos que está em curso no Brasil.
Ao fim da tarde desta quarta-feira, 8 de novembro, uma Comissão Especial da Câmara dos Deputados do Brasil aprovou, por 18 votos contra 1 (18 homens contra 1 mulher), a PEC 181/2015 que reconhece a vida desde a concepção, terminando com o direito instituído do aborto legal e seguro mediante três causas – estupro, risco para a vida das mulheres e anencefalia. O próximo passo será voltar para a Câmara e depois para o Senado. Originalmente, esta era uma alteração para conceder um prazo mais longo para a licença de maternidade em caso de parto prematuro, mas foi oportunamente alterada para se tornar uma plataforma de retrocesso que criminaliza o aborto de forma absoluta no Brasil.
Esta proposta legislativa está em desacordo com o Consenso de Montevidéu adotado na Conferência Regional sobre População e Desenvolvimento de 2013, que reafirma os direitos reprodutivos e sexuais e a revisão de leis punitivas que restringem a interrupção voluntária de gravidezes indesejadas e impactam negativamente nos direitos e na saúde das mulheres.
O Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA), em seu último relatório “Mundos Distantes”, mostra a precariedade da vida reprodutiva das mulheres brasileiras, especialmente as mais pobres. Elas são a maioria, composta de 4,2 milhões de brasileiras, que mesmo com décadas de investimento, não tem a demanda por contraceptivos de idade reprodutiva atendida. Dentre estas, as mulheres jovens são as mais atingidas: 20% das mães têm menos de 20 anos de idade. A Pesquisa Nacional de Aborto (ANP) do Anis – Instituto de Bioética, lançada no final de 2016, mostra que, apenas em 2015, mais de meio milhão de mulheres realizaram um aborto e dentre estas estão mulheres religiosas, cujas crenças rejeitam o procedimento. No Brasil, a cada 11 minutos uma mulher é vítima de estupro, de acordo com o estudo lançado pelo Banco Mundial em 2016, que reconhece ainda a notificação de casos. Isso equivale a 130 mulheres por dia, quase 50 mil mulheres por ano. Além disso, as mulheres brasileiras sempre são apresentadas com novas questões que ameaçam seu direito mais básico – à vida – com procedimentos ilegais e inseguros, e também no caso com a epidemia do vírus Zika, no qual as mulheres foram proibidas de realizar o procedimento, deixando-as sem apoio durante uma gestação arriscada e a enfrentar uma vida cheia de desafios. O que o Brasil fará com todas essas mulheres se acabar com a possibilidade da interrupção voluntária?
As mulheres devem ter a prerrogativa de decidir sobre o seu corpo, a sua saúde, a sua vida e a vida de seus filhos com o apoio total do país. Para eles, as leis devem apresentar soluções seguras e não punição em virtude de questões que o Estado julgue mal ou dos problemas que não é capaz de resolver. Não podemos e não aceitamos isso. Os direitos conquistados não podem ser retrocedidos. São as vidas das mulheres que estão em perigo.
Em nome da feminista Fátima Oliveira, recentemente falecida, ativista dos direitos reprodutivos das mulheres e da saúde da população negra, e em nome de cada mulher e de todas elas, dizemos ao Governo, à Câmara de Deputados, ao Senado e ao Supremo Tribunal Federal do Brasil: não renunciaremos a essa batalha!
Abaixo firmamos nosso compromisso com as mulheres brasileiras. Nenhuma a menos!
Mesa Diretiva da Conferência Regional sobre População e Desenvolvimento da América Latina e Caribe