Direito de mulheres grávidas ou mães de crianças de cumprir a prisão provisória em casa já está na lei desde 2016
(Nexo, 21/02/2018 – acesse no site de origem)
Na terça-feira (20), a 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal concedeu, por 4 votos a 1, habeas corpus coletivo a todas as mulheres grávidas, mães de crianças de até 12 anos e de filhos com deficiência, que se encontravam presas provisoriamente, sem condenação. A decisão determina que elas aguardem julgamento em regime domiciliar.
Tribunais terão 60 dias para cumprir a determinação do STF após sua publicação. A medida deve mandar para casa pelo menos 4.500 detentas, cerca de 10% do total de mulheres presas no país.
O cumprimento de prisão domiciliar não se aplica a casos de crimes cometidos com violência ou grave ameaça, de crimes contra os filhos ou em situações julgadas excepcionais, que justifiquem, na avaliação da Justiça, mantê-las encarceradas provisoriamente.
Leia mais: Situação de mulheres grávidas e lactantes é destaque no Link CNJ (CNJ, 22/02/2018)
De onde vem o julgamento
Desde o Marco Legal da Primeira Infância, lei de 2016, o artigo 318 do Código de Processo Penal já garante a mães de crianças de até 12 anos incompletos ou mulheres grávidas, na teoria, o direito de cumprir prisão provisória em regime domiciliar.
Em entrevista ao Nexo no dia 15 de fevereiro, a defensora pública do estado de São Paulo Maira Diniz disse que, apesar disso, mulheres nessa situação continuavam sendo mantidas presas devido a uma cultura de encarceramento no país, segundo a qual a prisão domiciliar seria vista como impunidade.
Para Diniz, faltavam decisões de tribunais superiores, como o STF, para fazer valer a lei. Até então, a prisão domiciliar nesses casos dependia da interpretação do juiz, caso a caso.
O caso das mães presas provisoriamente chegou ao STF por meio de um habeas corpus coletivo, recurso interposto em maio de 2017 pelo CADHu, o Coletivo de Advocacia em Direitos Humanos. O habeas corpus é uma ação judicial prevista na Constituição Federal que protege o cidadão no caso de prisão ilegal.
A ação do CADHu sucedeu um habeas corpus concedido em março de 2017 a Adriana Ancelmo, ex-primeira-dama do Rio de Janeiro, casada com o ex-governador Sérgio Cabral.
A decisão, sob a justificativa de que os dois filhos do casal, de 11 e 15 anos, estavam sem os cuidados do pai e da mãe (ambos presos e investigados pela Operação Lava Jato), foi da ministra do Superior Tribunal de Justiça Maria Thereza de Assis Moura.
O habeas corpus de Ancelmo levantou o debate sobre a impunidade no Brasil e a situação das mulheres encarceradas – a maior parte delas negra, pobre e sem acesso aos mesmos direitos que a ex-primeira-dama.
4.560 mulheres grávidas ou com filhos de até 12 anos estão presas provisoriamente (com base em dados de 22 Estados levantados pelo IBCCrim, o Instituto Brasileiro de Ciências Criminais, em conjunto com outras entidades)
622 mulheres grávidas ou amamentando seus filhos, pelo menos, estão em prisões do Brasil (dados do CNJ, o Conselho Nacional de Justiça)
Casos como o de Jéssica Monteiro, presa em fevereiro no estágio final da gravidez e mantida na cadeia com o bebê recém-nascido, vinham provocando o debate em torno da situação dessas mulheres no sistema prisional brasileiro.
Votaram a favor do habeas corpus coletivo Ricardo Lewandowski (relator da ação), Dias Toffoli, Gilmar Mendes e Celso de Mello. Edson Fachin foi contra, ao defender que o juiz analise cada caso de mulher gestante ou mãe presa preventivamente, mantendo a situação como está.
O Nexo perguntou a Bruna Angotti, advogada e integrante do Coletivo de Advocacia em Direitos Humanos, sobre o significado do habeas corpus do STF e como ele deve afetar futuras presas nessa condição.
A decisão do STF tem precedentes? O que ela representa?
BRUNA ANGOTTI É uma decisão inédita por duas razões. Pelo habeas corpus coletivo ter sido um instrumento usado para uma coletividade delimitada, mas não nominada, o que foi histórico e vai abrir precedente para outras ações semelhantes. E por uma decisão como essa ter o efeito de mudar “a seta” da lei de lugar. A “seta” hoje em dia funciona no sentido de prisão como a regra, não na lei, mas na prática judiciária e a liberdade como última saída. O que o julgamento fez ontem para o caso de mulheres nessas condições foi mudar o sentido, colocar essa seta no sentido certo.
O ponto mais importante [da decisão] é que significa que o STF reconhece o que argumentamos na peça [do habeas corpus coletivo]: toda gravidez no cárcere é uma gravidez de risco. O cárcere não é um lugar salubre para a presença de mulheres grávidas, de lactantes, de crianças. E, quando as crianças ficam em casa com outro familiar e a mãe em prisão cautelar fica na prisão, há uma segregação entre mãe e filho.
Esse foi o argumento central que utilizamos e que foi reiterado ontem na votação, tanto pelas advogadas que sustentaram oralmente, quanto pelo próprio ministro Lewandowski: que a gravidez e o exercício de maternidade na prisão não é possível e é de risco, foram ressaltados os agravantes de saúde que a situação carcerária traz para essas mulheres.
Na lei, esse direito já estava previsto desde 2016. Na prática, o que deve mudar a partir da determinação?
BRUNA ANGOTTI A partir dessa decisão, juiz e promotoria vão ter que levar em consideração nas audiências de custódia a decisão do STF. Isso “passa a régua”: se é mãe, gestante, puérpera, a prisão não vai poder ser aplicada a não ser em casos excepcionais. É uma ação que vale inclusive para aquelas que estão chegando no sistema.
Juliana Domingos de Lima