(Correio Braziliense, 19/07/2014) Em 2014, o Orçamento da União reservou pouco mais de R$ 1,208 bilhão para ações relacionadas ao enfrentamento da aids e de outras doenças sexualmente transmissíveis (DST). Mas até agora, apenas 29,6% do dinheiro foi efetivamente gasto, já considerando os restos a pagar de anos anteriores liberados neste ano. Do total disponível, a maior parte, cerca de 64,5%, está destinada à aquisição e distribuição de antirretrovirais e outros medicamentos destinados à pessoa com a doença. Enquanto isso, as ações de prevenção, vigilância e controle do HIV/aidsdispõem de R$ 178 milhões, dos quais R$ 33 milhões foram efetivamente pagos – até o fim do ano os números tendem a evoluir.
Esta semana, um levantamento divulgado pelo programa conjunto das Nações Unidas (ONU) sobre o HIV e a aids (Unaids) mostrou que o Brasil teve um aumento de 11% no número de novos casos de contaminação pelo HIV entre 2005 e 2013, ao contrário da média mundial, que recuou 28%. Durante o período, o financiamento para o combate à doença no governo federal avançou de R$ 941 milhões para R$ 1,2 bilhão – insuficiente para cobrir a inflação acumulada nesses anos, que foi de 59,9%. Para atingir a inflação, o valor teria de chegar a cerca de R$ 1,5 bilhão.
Em nota, o Ministério da Saúde informou que o incremento nos gastos está relacionado ao crescimento da economia e não à inflação. A pasta “cumpre rigorosamente o que determina a Constituição, que define que a União deve aplicar na saúde o mesmo valor destinado ao orçamento no ano anterior mais a variação nominal do PIB”. Ainda segundo a pasta, são repassados cerca de R$ 1,7 milhão a estados e municípios para ações de vigilância em saúde, que incluem, entre outras, a prevenção da aids e DST.
Das três ações que compõem o programa de combate à aids do governo, a voltada à prevenção e vigilância é a que apresenta a menor margem de execução até o momento. Estados populosos como São Paulo e Rio de Janeiro contam com altos valores disponíveis, mas ainda não obtiveram recursos. Em São Paulo, por exemplo, são cerca de R$ 45 milhões, mas o dinheiro não foi disponibilizado. No Rio, R$ 15 milhões aguardam liberação do governo. Em nota, o ministério esclareceu que os recursos são liberados por parcelas, e que a segunda remessa deve ocorrer no início de agosto. “Os estados de São Paulo, Rio Grande do Sul e Rio de Janeiro, que estavam previstos para liberação de recursos no pagamento da primeira parcela, solicitaram o adiamento (…)”, diz um trecho.
Foco
Entre ativistas da causa, entretanto, a percepção é de que as verbas disponíveis diminuíram nos últimos anos. “De fato, há uma falta de recursos para a prevenção. Isso eu constato no dia a dia da minha comunidade. Muitas organizações que antes faziam um trabalho importante de prevenção e de conscientização estão fechando as portas ou atoladas em dívidas. Não existe o financiamento que existia há 10 anos”, lamenta Toni Reis, ex-presidente e atual secretário de Educação da Associação Brasileira de lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais (ABGLT). Como exemplo, Toni cita a realização das Paradas do Orgulho LGBT, que tradicionalmente ocorrem em maio. De cerca de 200 projetos apresentados este ano, apenas 10 conseguiram algum apoio do poder público, segundo ele. “O recurso minguou e o acesso foi burocratizado. Uma ONG de travestis ou de prostitutas geralmente não tem a expertise burocrática exigida hoje”, explicou Toni.
Para Georgiana Braga-Orillard, diretora do Unaids no Brasil, o país precisa voltar a dar ênfase nas ações de prevenção, informação e vigilância. “As campanhas precisam ser mais fortes, e não falo somente as do governo federal. Falar com o jovem de Porto Alegre é diferente de falar com o jovem do Ceará, por exemplo. Precisamos mudar completamente o enfoque”, disse.
“Há uma ausência de campanhas, e as que existem não são satisfatórias. Antigamente, havia o Saúde e Prevenção nas Escolas, que levava preservativo e informação. Isso acabou. É preciso capacitar professores, formar lideranças jovens para tratar do assunto”, analisa o psicólogo e coordenador do Polo de Prevenção de DST/aids da Universidade de Brasília, Mário Ângelo Silva. O especialista também relaciona o comportamento de risco ao abuso de drogas e álcool e ao surgimento de tratamentos que prolongam a sobrevida dos infectados. “O fato de ser tratável, mesmo que a duras penas, fez com que o jovem baixasse a guarda. O risco está banalizado”, avalia.
Levantamento
Os dados foram levantados pelo Correio e pela organização não governamental Contas Abertas, a partir do portal de informações orçamentárias Siga Brasil, e tomam como base a data de ontem.
Investimentos
Confira os estados com mais recursos reservados para ações de conscientização e vigilância da aids neste ano e quanto cada um usou até agora
Orçamento autorizado Gasto
São Paulo R$ 45.498.495 0
Minas Gerais R$ 16.003.421 R$ 8.001.708
Rio de Janeiro R$ 15.081.396 0
Rio Grande do Sul R$ 12.958.505 0
Bahia R$10.305.778 R$ 5.152.888
Paraná R$ 8.076.418 0
Santa Catarina R$ 6.861.246 R$ 3.758.872
Pernambuco R$ 6.481.808 0
Ceará R$ 5.269.419 0
Pará R$ 4.454.729 0
Distrito Federal R$ 1.892.847 R$ 1.002.816