Em encontro latino-americano de mulheres com HIV, realizado nesta semana em São Paulo, o Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA) defendeu que políticas de direitos sexuais são ferramentas importantes para lidar com a epidemia. Evento marca a primeira reunião em mais de uma década do Movimento Latino-americano e do Caribe de Mulheres Positivas (MLCM+).
(ONU Brasil, 10/10/2018 – acesse no site de origem)
Para a boliviana Violeta Ross, uma das participantes da conferência, serviços de saúde nem sempre são suficientes para garantir o bem-estar e a saúde das mulheres. “Sabemos que é possível controlar o HIV/Aids com medicamentos, mas o remédio não controla a violência e o machismo que vivenciamos todos os dias”, alertou a militante.
“Muitas sofrem violência quando revelam o diagnóstico positivo e a consequência é depressão e ansiedade. Por isso, trabalhamos pelo empoderamento da mulher.”
Ainda segundo Hoss, a violência ou o medo da violência são obstáculos para o acesso de adolescentes e mulheres ao sexo seguro e às ações de prevenção, testagem e tratamento.
A colombiana Sandra Arturo ressaltou que a luta das mulheres “é diária, é pelo acesso ao tratamento e saúde integral, é contra a violência”. “Estamos acometidas por um caos na América Latina”, acrescentou a ativista.
Também presente no evento, o representante do UNFPA no Brasil, Jaime Nadal, alertou que os desafios particulares das mulheres com HIV/Aids nem sempre ganham a visibilidade necessária. “A luta das mulheres contra a Aids é fundamental e vamos seguir apoiando essa causa. Hoje, até parece que elas saíram do cenário da epidemia, principalmente as jovens e as com mais idade”, afirmou o dirigente.
Durante a abertura do evento, as lideranças brasileiras Nair Brito, Jenice Pizão e Jacqueline Rocha foram homenageadas pelo movimento latino-americano, por suas contribuições aos direitos das mulheres com HIV.
“Não é possível caminhar sozinha nesta terra. A nossa resposta é coletiva e cada um sempre tem algo a contribuir. Eu sou produto de outras mulheres. Lutamos por equidade”, disse Nair, uma das fundadoras do Movimento Nacional das Cidadãs Posithivas do Brasil.
“Há 20 anos, quando cheguei ao grupo, estava em transição de gênero, mas já era uma mulher de alma e espírito. Hoje, continuo aqui construindo e lutando com mulheres poderosas e guerreiras”, completou Jacqueline.
Desafios locais, globais e regionais
O coordenador do Programa de DST/Aids de São Paulo, Artur Kalichman, traçou um panorama da epidemia no estado. De acordo com o gestor, os primeiros casos de Aids em mulheres foram registrados entre as usuárias de drogas injetáveis. Hoje, os novos episódios estão ligados a raça ou cor e pobreza.
Kalichman também falou sobre a prevenção combinada e os desafios de incorporação da PrEP, a profilaxia pré-exposição, no SUS. Para o especialista, a medicalização não é o caminho para a eliminação da epidemia de Aids.
“Não podemos resolver tudo com remédios. Um bom exemplo é a tuberculose. Tem remédio, cura e ela existe até hoje. Não podemos nos esquecer que a imigração desafia os países a lidarem com a pobreza”, disse o coordenador estadual.
Dados do Programa Conjunto das Nações Unidas sobre HIV/Aids (UNAIDS) mostram que no mundo, cerca de 870 mil mulheres se infectam com o HIV todo os anos. Apenas metade delas têm acesso ao tratamento antirretroviral — isso faz da Aids a maior causa de morte entre mulheres em idade reprodutiva (de 15 a 49 anos) em todo o planeta.
De acordo com a agência da ONU, fatores como idade, etnia, desigualdades de gênero, deficiência, orientação sexual, profissão e posição socioeconômica são determinantes para que as mulheres e meninas consigam se proteger do HIV.
Da Guatemala, a ativista Iris Lopes ressaltou que na América Latina, faltam investimentos na resposta à epidemia.
“Países latino-americanos já avançaram na luta contra a Aids, oferecem medicamentos até para a prevenção. Mas não podemos nos esquecer de que há uma fila imensa de pessoas vivendo com HIV/Aids, aguardando o tratamento para sobreviver. No Panamá, por exemplo, não tem medicamento suficiente. Na Venezuela, muitos estão morrendo por falta de antirretrovirais. Na Argentina, as pessoas com HIV/Aids estão sendo discriminadas. Não há recursos suficientes e um discurso sem recurso é demagogia.”
Caio Oliveira, profissional do UNFPA, explicou que as políticas de direitos sexuais são importantes para identificar problemas e compartilhar as experiências vividas pelas mulheres nos países.