(Época, 13/09/2015) Nas histórias enviadas na campanha #partocomrespeito, gestantes relatam ter se sentido desrespeitadas — e médicos confirmam que elas foram, mesmo
“O médico deu pontos sem a anestesia pegar”. Essa é uma das reclamações que apareceu com frequência nos relatos encaminhados para a campanha #partocomrespeito, lançada por ÉPOCA em 1º de agosto, sobre o direito das grávidas e suas famílias. O movimento recebeu mais de 300 histórias de mulheres que se sentiram desrespeitadas na hora do parto. Selecionamos trechos desses relatos e questionamos especialistas sobre os procedimentos médicos adotados. Afinal, houve desrespeito?
Lizandra Marques: “O médico deu pontos sem a anestesia pegar”
A recomendação: “Se é um procedimento que você pode fazer com menos trauma e com menos dor, privar a paciente dessa condição é ferir o Código de Ética Médica”, afirma Alexandre Pupo, ginecologista e obstetra do Hospital Sírio Libanês (SP). Quando a anestesia (seja a raquianestesia e a peridural) não faz efeito, o médico deve anestesiá-la novamente. “A paciente pode solicitar qualquer tipo de anestesia”, diz. É necessário assinar um termo de consentimento sempre que houver aplicação de anestesia.
Michele Ribeiro: “Fizeram uma lavagem para que eu não eliminasse fezes durante o parto”
A recomendação: A lavagem não é recomendada nem pelo Ministério da Saúde nem pela Organização Mundial da Saúde (OMS). Originalmente, o procedimento foi adotado para evitar risco de infecções no parto. Novas pesquisas descobriram que o efeito pode ser justamente o contrário.
Julia Silva: “Na consulta, o médico disse que eu não tinha estrutura para um parto normal”
A recomendação: O parto normal é indicado para todas as mulheres. São raras as ocasiões em que as gestantes são desaconselhadas a desistir do parto vaginal. Mulheres com vício pélvico absoluto (bacia estreita), por exemplo, são orientadas a fazer cesariana porque o risco de complicação é grande. “Mas isso só é possível descobrir no parto”, diz Jorge Kuhn, ginecologista e obstetra da Universidade Federal de São Paulo. “A decisão de fazer uma cesárea deve ser feita nessa hora, e não no pré-natal”.
Silva Rodrigues Neves de Godoy: “Durante o parto normal do meu bebê fizeram um corte sem me avisar”
A recomendação: A gestante deve ser informada sobre a possibilidade desse corte ser necessário (a episiotomia) durante o pré-natal. “Não é um procedimento programado”, afirma Alexandre Pupo, ginecologista e obstetra do Hospital Sírio Libanês (SP). A decisão é do médico no momento em que a cabeça do bebê começa a sair. Esse corte – a episiotomia – é um procedimento cirúrgico utilizado para evitar laceração na vagina durante o parto normal. O corte é feito na região do períneo, entre o ânus e a vagina. A Organização Mundial da Saúde (OMS) recomenda que a prática seja adotada em 10% dos casos. No Brasil, 53% das mulheres são submetidas à episiotomia no parto, de acordo com a pesquisa Nascer no Brasil, de 2014. A fisioterapia perineal pode fortalecer a região, evitando o corte. “A mulher precisa fazer um trabalho perineal para ser mais fácil o parto sem episiotomia e evitar lacerações”, diz Carolina Ambrogini, ginecologista e sexóloga. Segundo a ginecologista, se o procedimento for bem feito, o pós-operatório não afeta o dia-a-dia da mulher. Quando não é bem feito, aumenta as chances de infecção e hemorragia no parto e de incontinência fecal e urinária no pós-parto.
Cristina Andrade: “Senti um gelo subir na coluna. Depois, soube que era a anestesia para a cesárea”
A recomendação: Todo procedimento médico deve ser conversado com a paciente, inclusive em emergências. “A raquianestesia não tem como fazer sem avisar a paciente: ela tem que ficar numa posição muito específica para tomá-la”, afirma Pupo. Durante a aplicação, a mulher deve manter os joelhos encostados contra o tórax, sentada ou deitada na cama. É indicada para evitar as dores do período expulsivo. “Para aliviar a dor do parto, é melhor adotar o duplo bloqueio, que é a peridural com a raqui”, afirma Carolina Ambrogini, ginecologista e sexóloga.
Thiccya: “Com meu filho quase nascendo, tive que ir andando até a sala de parto e subir sozinha numa maca”
A recomendação: O bem-estar da paciente deve vir em primeiro lugar. No final do período expulsivo, a mulher deve ficar na posição que desejar, seja deitada ou sentada. Fazer ela se locomover colocou em risco a vida do bebê, que poderia nascer a qualquer momento. Além do mais, permitir que a paciente suba sozinha na maca fere uma regra de segurança. “Isso é contra qualquer regra de qualquer hospital do mundo”, afirma Pupo.
Harumi Visconti, com Thais Lazzeri
Acesse no site de origem: Violência obstétrica: médicos comentam erros cometidos por médicos (Época, 13/09/2015)