(Agência Aids, 15/09/2015) “Lá atrás, em 1996, a gente já tinha razão. Dizíamos que entre os negros as taxas de infecção e mortalidade em decorrência do HIV eram maiores. Hoje, os dados epidemiológicos comprovam isso.” Foi o que disse Luis Eduardo Batista, pesquisador científico e ex-coordenador da área técnica de saúde da população negra da Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo, durante o 1° Encontro de Prevenção das DST/Aids do Município de São Paulo, que aconteceu nestas segunda (14) e terça (15), no Centro de Convenções Rebouças.
Como participante da mesa “Resposta Conjunta à Epidemia de DST/Aids na População Negra”, Luis Eduardo relembrou os caminhos que movimentos de defesa da população negra percorreram em busca de melhorias na saúde. Citou a Marcha Zumbi dos Palmares, em 1995, em que, por meio dela, foi possível criar um GTI (Grupo de Trabalho Interministerial) para falar sobre a saúde da população negra, a criação das secretarias de Igualdade Racial, em 2003, e do Comitê Técnico de Saúde da População Negra, em 2004. “Podemos ver como os movimentos sociais conseguem dialogar com o Estado em relação à população negra. A avaliação e a reavaliação de políticas nos proporcionam avanços”, afirmou Luis Eduardo.
“Temos de investir mais tempo para a avaliar o que estamos fazendo. Hoje, podemos ver muito do que antes não víamos, porque antes trabalhamos com pistas. Agora, já é possível repensar o que foi feito e reestruturar os nossos passos para as próximas intervenções”, finalizou.
Pontes e muros
Mafoane Odara, psicóloga e gerente de educação e mobilização no Instituto Arapyaú, compartilhou com a plateia um pouco do que encontrou em sua pesquisa de mestrado. Ela buscava descobrir se a cor dos pacientes interferia na relação médico-paciente e, segundo contou, a resposta foi clara: “Interfere. Muitos médicos reproduzem mitos sem embasamentos, dizem que a mulher negra sente menos dor que a branca e, quando questionados sobre o motivo, apenas respondem que isso é o que todo mundo sabe. Ou seja, reproduzem conceitos sem evidências científicas”, contou Mafoane.
A psicóloga relatou que se surpreendeu ao ouvir os médicos admitirem que há racismo na rede de saúde, que eles mesmos, muitas vezes, agem com racismo e não sabem lidar com isso: “Como ativista, eu tive de repensar tudo. Percebi que, muitas vezes, construímos muros e não pontes. Os meus pais precisaram mostrar para o Brasil que existe racismo. Hoje, nosso papel é tornar humana a política pública. A gente precisa ter clareza do que é obrigação de cada um para que as exigências sejam claras. Saber também o que é obrigação das empresas, pois não cobramos delas e elas estão aí.”
Eliana Gutierrez, coordenadora do Programa Municipal de DST/Aids de São Paulo, que estava na plateia, chamou atenção para as testagens, afirmando que sua meta é a igualdade na taxa de detecção entre negros e brancos. “Os negros se testam menos do que pardos, brancos e amarelos”, informou Eliana. “E eu não tenho explicação para isso.”
“Podemos dizer que isso acontece pelo mesmo motivo que o adolescente não busca camisinha no posto de saúde. As pessoas não se identificam com o lugar e por isso não se sentem a vontade para ir ou estar nele. Não adianta tratar todo mundo como igual, porque todo mundo não é igual, é preciso enxergar a necessidade de cada um para atendê-los”, afirmou Mafoane.
A psicóloga propôs que a plateia respondesse anonimamente cinco perguntas como um exercício de reflexão sobre o cenário atual para os negros. Todos na plateia (cerca de 300 pessoas) responderam que existe racismo no Brasil. Apenas um disse que não existe racismo na saúde. A maioria apontou o cumprimento da lei contra o racismo como meio de resolver essa situação.
Daiane Bomfim ([email protected])
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