(Marina Pita/Agência Patrícia Galvão, 22/07/2016) A Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) anunciou na tarde desta quinta-feira (21) que não apenas o pernilongo doméstico pode transmitir o vírus da zika, mas comprovou – de forma inédita – que há insetos já contaminados na cidade do Recife (PE).
O achado reforça a posição de diversos especialistas de que é preciso ter uma estratégia de longo prazo para investimentos em saneamento básico e garantir água encanada continuamente nos bairros e comunidades e coleta de resíduos sólidos. A grande diferença entre o Aedes aegypti e o mosquito Culex quinquefasciatus (a popular muriçoca ou pernilongo doméstico) para 0 critério de controle do vetor é que o segundo mosquito se reproduz em água suja, rica em matéria orgânica.
Enquanto tais investimentos não saem do papel, é preciso que os sujeitos mais afetados pela epidemia de zika, as mulheres em idade reprodutiva, tenham acesso a anticoncepcionais (no caso de não quererem engravidar enquanto durar a epidemia), preservativos (também necessários para a não contaminação de zika por via sexual), repelentes e testes – tanto o PCR quanto o sorológico, ambos já de oferta obrigatória pelos planos de saúde privados, mas ainda indisponíveis na rede pública, a depender da região.
É fundamental que a atenção integral à saúde das mulheres seja garantida, especialmente nos locais com problemas de saneamento, onde a presença do culex é maior e justamente onde as ofertas de serviços de saúde e aos insumos de saúde são, em geral, mais precários.
Veja o que pensam alguns especialistas:
“Nossa preocupação tem a ver com a possibilidade de, no futuro, termos outro surto epidêmico, de uma outra coisa que talvez não esteja relacionada com o vírus zika, mas vá surgir pelas condições estruturais e estruturantes da sociedade. E isso tem a ver com direitos humanos básicos, à saúde, à habitação, à educação – educação ambiental, neste caso -, empoderamento das comunidades e das mulheres e, em particular, o direito à saúde sexual e reprodutiva e a capacidade de as mulheres terem autonomia reprodutiva”. Jaime Nadal, representante do Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA)
“Sempre haverá mosquito, vírus, bactérias, fungos, doença e morte. É claro que a gente pode lidar com isso da melhor maneira, mas isso é parte da vida. Agora, o que não tem é saneamento. É lá que é a casa confortável, a mansão do mosquito. A mansão do mosquito é a falta de saneamento, de água potável, falta de coleta de lixo. E é na casa dessas mulheres que está a doença. E é por causa da zika? Não. É por causa da chikungunya? Não. Tá por conta da dengue? Não. Está por conta de uma profunda injustiça.” Jurema Werneck, médica e coordenadora da ONG Criola
“O Ministério da Saúde tem um programa de combate ao mosquito há 30 anos. E não se mostra eficaz, apesar dos esforços dos agentes de saúde de colocarem larvicida na água. Há 30 anos, em 1986, quando foi feito o primeiro programa de controle do Aedes aegypti, havia o componente do saneamento básico. Logo depois da primeira edição, ele desapareceu. Se o objetivo tivesse sido perseguido, de forma multissetorial, com políticas integradas, teríamos resolvido não apenas o controle do Aedes, mas também do Culex e outras pragas urbanas que veiculam outras doenças.
Esse modo de tentar controlar a infestação de mosquitos mediante o uso de veneno já se mostrou ineficaz porque produz mutação, seleção natural, e os insetos ficam cada vez mais resistentes aos venenos. E partem para o uso de produtos cada vez mais tóxicos, inclusive para nós, humanos. Precisamos investir na limpeza, ordenamento urbano, drenagem, água encanada e saneamento.” Lia Giraldo, membro do grupo de saúde e ambiente da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco)
“Falar em vigilância sanitária não é falar em atacar o mosquito, e só. É falar em proteger as mulheres. Oferecer anticoncepcionais de longa duração nos serviços de saúde públicos – e hoje há uma disputa no Ministério da Saúde quanto a isso. E o repelente precisa estar disponível para as mulheres grávidas, deve fazer parte da assistência durante o pré-natal. E a mulher que decidir ter o bebê com síndrome do zika congênita deve ter este direito com amparo pelo Estado, com políticas de assistência social.” Debora Diniz, pesquisadora do Instituto de Bioética – Anis e autora do documentário Zika