Escolas de princesa, que nada! Quatro livros sem estereótipos de gênero

01 de novembro, 2016

As publicações são voltadas ao público infantojuvenil e ensinam, desde cedo, que lugar de mulher é onde ela quiser

(Correio Brazilense, 01/11/2016 – acesse no site de origem)

No início de outubro, um estudo conduzido pela ONG internacional Save the children revelou que o Brasil é um dos piores países para ser menina. Aparecemos na 102ª posição entre as 144 nações analisadas, levando em consideração fatores sociais como gravidez precoce, acesso à educação e representatividade política. O levantamento também mostrou o que poderia ser feito para sanar as disparidades. Foram apontadas soluções como acabar com leis sexistas e dar mais espaço e voz às mulheres em ações civis.

Uma das maneiras mais eficazes do promover a conscientização e empoderamento feminino é durante a infância, quando o mosaico de experiências pessoais e conhecimentos está se montando. Na literatura, uma pequena revolução está em curso. Iniciativas de diversos autores independentes e de editoras desconstroem padrões de gêneros que delimitam espaços de poder.

A Mauricio de Sousa Produções, por exemplo, decidiu dedicar as últimas páginas dos quadrinhos da Turma da Mônica a tirinhas que dão vazão a força feminina. O projeto, chamado Donas da Rua, teve início em 11 de outubro, em parceria com o He For She, braço da ONU que preza pela equidade. Com a imponente tiragem mensal de 2,5 milhões de exemplares, a iniciativa foi criada para empoderar as leitoras mirins. Mônica Sousa, que inspirou a personagem célebre, também tem dado palestras sobre o tema em escolas públicas.

Curiosamente, na mesma época em que a Mauricio de Sousa Produções anunciou a iniciativa, começaram a pipocar nas redes sociais notícias sobre a recém-inaugurada Escola para Princesas, que abriu as portas em São Paulo, mas já existia em Uberlândia (MG). A instituição com paredes em cor-de-rosa e uniformes de fru-fru tem aulas de etiqueta. Também ensina as garotas como colocar a mesa e se relacionar com futuros maridos. O teor antiquado foi duramente criticado. Uma comprovação de que uma nova mentalidade está em curso é que o movimento feminista já não se restringe à adultas ou a centros acadêmicos. Ele está por toda parte e atende a demandas de todas as idades.

Duas perguntas/ Mônica Sousa

Depois de quase 50 anos de história, o que motivou a criação do projeto Donas da Rua?

O projeto Donas da Rua veio de uma necessidade de incentivar as famílias a conversarem sobre esse tema com as crianças.  Eu venho de uma família de matriarcas, de mulheres extremamente fortes, desde minha bisavó, a vó Dita. Sou a filha que serviu de inspiração para a personagem que se transformou num símbolo de força feminina e que é vista por muitos como símbolo da luta das mulheres por oportunidades iguais. Como diretora-executiva, sei que ainda represento uma minoria no mundo das empresas, por isso esse projeto foi pensado para poderemos mostrar para as meninas que elas podem ter e exigir as mesmas oportunidades, os mesmos direitos que os meninos.

O feminismo já é uma realidade, e se faz cada vez mais necessário (há uma semana, por exemplo, uma pesquisa mostrou que levaremos 100 anos para a equiparação salarial). Como inserir a temática com meninas mais jovens?

Como diz meu pai, “é possível falar de qualquer assunto em histórias em quadrinhos. É só fazer de forma com que aquele assunto possa ser discutido na sala de jantar de uma família.” Nosso intuito com o projeto é falar sobre a importância da igualdade de gêneros desde a infância, sempre dentro dos princípios da educação e respeito às diferenças. E isso já existe nas historinhas da Turminha onde meninos e meninas brincam de casinha, de futebol, de viagem espacial, do que quiserem brincar. Juntos. Sempre com os mesmos direitos e oportunidades. As redes sociais agora são um meio de muita força onde podemos mostrar essas atitudes seja a partir de tirinhas, vídeos ou fotos, atingindo não só as crianças, mas também os adultos para que eles possam ser o exemplo para os pequenos. Tivemos um workshop da ONU Mulheres para nossos roteiristas que já está trazendo resultados, com tirinhas publicadas na edição de setembro na última página dos gibis tratando do tema e outras histórias que entrarão nas revistas nos próximos meses.

Princesa, quem?

Um dos melhores representantes da nova literatura voltada às crianças dessa geração é a coleção Antiprincesas, publicada no Brasil pela editora Sur, sediada em Porto Alegre, e que traduziu dois títulos do selo argentino Chirimbote para o português, com as histórias da escritora ucraniana radicada no Brasil Clarice Lispector e da pintora mexicana Frida Kahlo. São obras que não romantizam a realidade dessas grandes mulheres.

Esse ano, o financiamento coletivo para a publicação do livro Coisa de menina, de autoria da paulista Pri Ferrari, atingiu mais de 150% da meta. A obra dedicada a crianças de 3 a 6 anos, com objetivo de desconstruir pequenos hábitos que limitam o potencial dos pequenos, foi um sucesso absoluto por conta do recorte diferenciado. Lançado esse mês, o livro desmistifica a ideia de que garotas precisam viver em um mundo em tons pastel e nem sonhar com o príncipe encantado. Em Coisa de menina, elas são independentes.

“O livro é só uma ferramenta, a parte mais importante com certeza é o dialogo dos pais e responsáveis com as crianças. Eu sinto que o ‘empoderamento feminino’ é sim algo muito importante, ainda mais quando falamos de uma sociedade que ainda acha que tem coisa que não é de homem ou de mulher, mas também precisamos entender que essa é só uma pauta do feminismo. Feminismo é político, feminismo muda leis, é sobre saúde pública e direitos. A gente precisa sempre refletir sobre isso para essa ‘onda’ não ficar só até o Girl Power, e ir mais além”, reflete a escritora paulista.

Evolução

Lançada há um ano, a obra Malala, a menina que queria ir para a escola (Companhia das Letrinhas) é assinada pela jornalista Adriana Carranca, conhecida por fazer cobertura de conflitos e de guerras. Para contar a história da mais jovem ganhadora do Nobel da Paz, a paquistanesa Malala Yousafzai, a repórter viajou até o país. O resultado é um livro-reportagem para crianças que não esconde fatores como o domínio da região pelo grupo extremista Talibã, nem a proibição local para garotas estudarem, mas que, ao fim, mostra como a educação pode revolucionar o mundo. Esse ano, ela ganhou o título de escritora revelação pela Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil (FNLIJ). O título também foi reconhecido como o melhor livro informativo.

Escritora, professora da Universidade Federal do Ceará e autora do blog feminista mais acessado do Brasil (Escreva Lola Escreva), Lola Aronovich se reconhece feminista desde os 8 anos. Não se lembra de nenhum livro que, na década de 1960, quando nasceu, tratasse da temática. “Eu tenho diários da época que mostram que já falava em igualdade, que defendia que as meninas podiam fazer tudo que os meninos fazem. Hoje, muitas crianças tem esse pensamento, porque acabam captando isso dos pais”, conta.

“Estamos vivendo no século 21, algo como uma escola de princesas soa fora de moda. Queremos meninas empoderadas, isso não tem mais muito motivo de ser, mas a sociedade está repleta desse tipo de ideologia de pensamento. É bom que algumas pessoas ofereçam outras alternativas”, acrescenta Aronovich. Ela reconhece que o feminismo, tema pelo qual ela escreve com paixão, pode ser incorporado ao diálogo com crianças. “Ela não vai se tornar uma especialista. No entanto, passa a ter alguns valores sobre a força da mulher, não depender de príncipe encantado, ter outros sonhos que de repente não tenham ver com esperar um homem para se salvá-la”, comenta.

Para a professora, histórias que desconstroem as narrativas clássicas são essenciais, afinal, as crianças são expostas a ideologias retrógradas desde a mais tenra idade. “Desde bebê estamos sujeitos a opressões, que começam na escolha da cor do quarto e do enxoval. Meninas e meninos desde cedo são ensinados uma série de coisas que não pode fazer, e isso acaba gerando uma certa revolta. O bom é que a maioria deles são naturalmente questionadores: Porque futebol é só para menina, ou porque meu colega não pode brincar comigo de boneca?”, avalia Lola. Ela também ressalta que não adianta mudar apenas o comportamento das meninas, mas também dos garotos. A comunidade é feita de todos. “Tudo que queremos são crianças criticas. Queremos que elas nos façam essas perguntas o tempo todo, sem perder a curiosidade”, finaliza.

Resultado de imagem para Antiprincesas: Clarice Lispector

Antiprincesas: Clarice Lispector
De Nadia Fink, com ilustrações de Pitu Saá. Sur, 24 páginas. Preço: R$ 25.

Resultado de imagem para Antiprincesas: frida kahloAntiprincesas: Frida Kahlo
De Nadia Fink, com ilustrações de Pitu Saá. Sur, 26 páginas. Preço: R$ 25.

Resultado de imagem para Coisa de menina Pri Ferrari. Companhia das Letrinhas

Coisa de menina
De Pri Ferrari. Companhia das Letrinhas, 48 páginas. Preço: R$ 34,90.

Resultado de imagem para Malala – A menina que queria ir para a escola

Malala – A menina que queria ir para a escola
De Adriana Carranca. Companhi

Rebeca Oliveira

Nossas Pesquisas de Opinião

Nossas Pesquisas de opinião

Ver todas
Veja mais pesquisas