Decreto equipara, a partir de 2021, o período que pais e mães podem se afastar do trabalho para cuidar do recém-nascido
(O Globo, 28/03/2019 – acesse no site de origem)
A Espanha deu um grande passo em direção à igualdade de gênero no mercado de trabalho neste mês de março. O governo aprovou por decreto a equiparação das licenças de paternidade e maternidade no país. Hoje, os pais espanhóis podem se afastar por cinco semanas para cuidar do filho recém-nascido, enquanto as mães têm direito a 16 semanas. A partir de 2021, eles também disporão dos mesmos quatro meses que as mulheres. Os salários, em ambos os casos, são pagos em sua integralidade e o pai não pode transferir seu período de licença para a companheira. Com essa mudança, a Espanha se torna o país com a licença-paternidade mais extensa da Europa.
Suécia e Islândia, que têm as políticas de igualdade de gênero mais avançadas, concedem três meses de afastamento tanto para o pai como para a mãe, com pagamento de 80% de seus salários. Na Suécia, o casal ainda pode compartilhar mais dez meses de licença e na Islândia podem se revezar por mais três meses. Na prática, no entanto, esse período que poderia ser compartilhado geralmente é usufruido pelas mulheres.
No Brasil, há um abismo entra as duas licenças. Mulheres têm direito a quatro meses e homens a cinco dias, podendo ser estendidos, respectivamente, para seis meses e 20 dias, no caso do empregador integrar o Programa Empresa Cidadã – que garante incentivos fiscais às companhias que acrescentarem 60 dias à licença-maternidade das mulheres e 15 dias a dos pais.
Para a coordenadora do Núcleo de Estudos de Gênero e Economia da Faculdade de Economia da UFF, Lucilene Morandi, adotar esse tipo de medida tem impacto positivo direto na carreira da mulher e indireto na sociedade. No Brasil, por exemplo, a renda média de uma trabalhadora corresponde a 79,5% do salário do homem. Segundo Lucilene, essa desigualdade reflete, principalmente, a necessidade da mulher se afastar do mercado para cuidar dos filhos pequenos:
– A idade fértil das mulheres, entre 25 e 40 anos, é justamente quando é possível galgar cargos mais altos na carreira. Como só as mulheres se licenciam por meses após terem filhos, acabam sendo preteridas com frequência e ficam com postos de menores salários. Quando a Espanha assume que essa responsabilidade é de ambos os pais, ganha toda a sociedade.
As mulheres passam a estar em pé de igualdade com os homens no mercado, a relação pai e filho melhora e mais pessoas têm renda, o que é bom para a economia do país, pois são mais pessoas consumindo e pagando impostos, lista a coordenadora da UFF:
– Isso (a maternidade) não é um problema individual. É da sociedade, pois da maternidade dependende a manutenção da própria espécie. Quando a Espanha dá esse passo adiante ela mostra que há uma solução coletiva e viável.
‘Brasil está longe de equiparar licenças’
Na Espanha, o decreto publicado este mês prevê que a licença-paternidade será ampliada de forma progressiva. Até o fim deste ano, passará das atuais cinco semanas para oito. Em 2020, ficará em 12 semanas e, a partir de 2021, serão concedidas licenças iguais para pais e mães, ampliáveis em duas semanas a mais por filho, em caso de partos múltiplos.
O governo espanhol estima que o impacto orçamentário com a mudança ficará entre 250 milhões e 300 milhões de euros (R$1 bilhão a R$1,3 bilhão) este ano. Com a equiparação, saltará para 1,1 bilhão de euros, o correspondente a R$ 4,7 bilhões, se considerado só o setor privado. Esse impacto ocorre porque na Espanha, assim como no Brasil e em todos os outros países que concedem esse tipo de licença, o salário do trabalhador afastado é sempre custeado pelo Estado.
– O Brasil está muito longe de se equiparar à realidade dos países europeus por causa dessa conta. Estamos num momento de perdas de direitos trabalhistas e de ajuste fiscal. Não há espaço algum para essa discussão. Nesse momento, todas as questões referentes à melhora de qualidade de vida ficam em segundo plano – diz Lucilene.
Regina Madalozzo, economista do Insper especializada na atuação da mulher no mercado de trabalho, ressalta que apesar do movimento ser tímido, há empresas no Brasil que, por iniciativa própria, estendem a licença paternidade para 30 dias, com o objetivo de incentivar os homens à paternidade responsável.
Transparência dos valores dos salários
O decreto espanhol também contém outras medidas para conter a disparidade salarial. Uma delas obriga todas as empresas a manter à disposição dos sindicatos de classe um registro dos salários de seus funcionários, dividido entre homens e mulheres, e incluindo complementos e benefícios adicionais. Além disso, empresas com pelo menos 50 trabalhadores onde a disparidade superar 25% terão que apresentar uma justificativa mostrando que isso não se deve a “motivos relacionados ao sexo”.
Mais empresas também passarão a ter um plano de igualdade. Até agora, isso só se aplicava a companhias com mais de 250 trabalhadores, limite que será reduzido para 150 neste ano, cem no ano que vem e 50 no seguinte. As estimativas, já que os planos de igualdade resultam em aumento de mulheres nos quadros, dão conta que o número de trabalhadores desse grupo de empresas passará dos atuais 5,3 milhões para 7,7 milhões em 2021.
Os direitos dos pais no Brasil
De acordo com a Secretaria do Trabalho do Ministério da Economia, são quatro os principais direitos dos homens que são pais e trabalham.
Licença–paternidade: é de cinco dias corridos, sendo que a contagem deve começar a partir do primeiro dia útil após o nascimento do filho. É uma licença remunerada, na qual o trabalhador pode faltar sem implicações trabalhistas. Essa regra vale para casos de filhos biológicos e adotados. Servidores públicos federais e funcionários de empresas que fazem parte do Programa Empresa Cidadã têm o período de licença ampliado para 20 dias. Algumas categorias profissionais também conquistaram o direito ampliado a partir dos acordos de dissídios.
Licença especial: o direito à licença pode ser concedido aos pais quando precisam dar assistência especial ao filho até os seis anos de idade. Ela pode ser integral por três meses; parcial por 12 meses (quando o pai trabalha meio período e cuida do filho no outro); ou intercalada, desde que as ausências totais sejam equivalentes a três meses. Nesse caso, é preciso avisar a empresa com antecedência e apresentar atestado médico que comprove a necessidade do acompanhamento.
Levar o filho ao médico: a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) prevê o direito do pai de acompanhar o filho de até seis anos ao médico no horário de trabalho, um dia por ano.
Licença para pais adotivos ou em caso de falecimento da mãe:no caso da adoção, é concedido salário-maternidade a apenas um dos adotantes. Nestes casos, o adotante permanece em licença pelo período de 120 dias. Em caso de morte da mãe é assegurado ao pai empregado o gozo de licença por todo o período de licença-maternidade ou pelo tempo restante que a mãe teria direito.