Em visita ao país, Relatora Especial da ONU sobre formas contemporâneas de racismo, Ashwini K.P., esses temas têm relação direta com a desigualdade racial no Brasil; ela solicita ações ousadas e transformadoras para enfrentar o racismo sistêmico
Após uma visita de 12 dias ao Brasil, a Relatora Especial da ONU sobre formas contemporâneas de racismo, Ashwini K.P, apresentou um relatório detalhando diversas preocupações relacionadas aos direitos humanos e à discriminação étnico-racial no país. Entre os pontos mais críticos, destacam-se os ataques ao aborto legal e a tese do marco temporal para a demarcação de terras indígenas. A especialista das Nações Unidas também pediu o avanço do uso de câmeras corporais por policiais e manifestou preocupação com o caráter racista de serviços de reconhecimento facial.
Ashwini K.P esteve em Brasília (DF), Salvador (BA), São Luís (MA), São Paulo (SP), Florianópolis (SC) e Rio de Janeiro (RJ) entre os dias 5 e 16 de agosto. Ela se reuniu com representantes governamentais estaduais e federais, comunidades que sofrem discriminação racial, além de mais de 120 representantes da sociedade civil.
Restrições ao aborto legal
O acesso restrito ao aborto legal no Brasil, especialmente para mulheres de grupos raciais e étnicos marginalizados, foi um dos temas abordados pela Relatora. Ela enfatizou que, embora o aborto seja permitido em casos específicos como estupro, anencefalia fetal e risco à vida da mulher, muitas ainda enfrentam barreiras significativas para acessar esses serviços. Um caso em Santa Catarina, onde uma menina de 11 anos foi pressionada a não interromper uma gravidez resultante de estupro, foi citado como exemplo das dificuldades enfrentadas. Ashwini K.P pediu ao Brasil que descriminalize o aborto em todas as circunstâncias e garanta o acesso seguro e legal aos serviços de aborto e pós-aborto, ressaltando a necessidade de assegurar a autonomia corporal das mulheres.
Marco temporal e direitos territoriais
A relatora também expressou séria preocupação com a aplicação da tese do marco temporal, que limita o reconhecimento de terras indígenas às que estavam sob posse dos povos indígenas na data de promulgação da Constituição de 1988. Segundo Ashwini K.P, essa tese ignora a longa história de violência e deslocamento sofrida pelos povos indígenas, como os Xokleng em Santa Catarina, e representa uma ameaça aos direitos territoriais. Ela destacou que, apesar de alguns avanços recentes na demarcação de terras, o ritmo atual é insuficiente, levando a um cenário de violência contínua contra comunidades indígenas e quilombolas.
Uso de câmeras corporais e inteligência artificial
Em relação à segurança pública, a especialista abordou o uso de câmeras corporais e sistemas de reconhecimento facial por forças policiais no Brasil. Ela elogiou a iniciativa do Ministério da Justiça de promover o uso de câmeras corporais, mas apontou que sua implementação ainda é ineficaz em muitos estados. Além disso, expressou preocupação com o uso crescente de sistemas de reconhecimento facial, que, segundo ela, podem exacerbar o perfilamento racial e a violência contra afrodescendentes e outros grupos marginalizados. Ashwini K.P pediu uma regulamentação rigorosa e baseada em direitos humanos para o uso dessas tecnologias, visando proteger os direitos das comunidades afetadas.