Judith Butler: “O ataque ao gênero emerge do medo das mudanças”

06 de novembro, 2017

A presença da filósofa norte-americana no Brasil reacende a discussão sobre gênero e atiça os conservadores

(CartaCapital, 06/11/2017 – acesse no site de origem)

Referência nos estudos de gênero e uma das mais importantes filósofas norte-americanas contemporâneas, Judith Butler, 61 anos, chega ao Brasil em meio a uma verdadeira guerra cultural centrada nas questões identitárias e de gênero no País.

O desembarque em terras tupiniquins acontece na esteira das discussões acerca do cancelamento da exposição QueerMuseu em Porto Alegre e das polêmicas envolvendo nudez no Museu de Arte de São Paulo e a mostra sobre sexualidade no MASP.

Acusada de promover a “ideologia de gênero”, uma de suas palestras tornou-se alvo de grupos conservadores, motivando uma petição online em que afirmam que a presença da autora em um “simpósio comunista” não seria “desejada pela esmagadora maioria da população nacional”. Em resposta, atos de apoio e um “cordão democrático” também foram convocados.

Apesar de hoje se debruçar também sobre questões como a violência de Estado e a democracia, além de ser uma expoente das críticas a Israel, Butler é mais conhecida do público por suas contribuições aos estudos de gênero, em especial, pela obra Problemas de Gênero (1990), em que desenvolve sua teoria da performatividade.

“O ataque ao gênero provavelmente emerge do medo a respeito de mudanças na família, no papel da mulher, na questão do aborto e das tecnologias para reprodução, direitos LGBTs e casamento homoafetivo”, elenca a doutora em Filosofia por Yale e professora do departamento de Literatura Comparada na Universidade da Califórnia, que também é de origem judia, lésbica e militante dos direitos LGBT.

Butler fará uma palestra em São Paulo e participará da organização do seminário Os fins da democracia, marcado para o Sesc Pompeia, entre 7 e 9 de novembro.

Sua fala nesta segunda-feira 6 se dará no Teatro Marcos Lindenberg, da Universidade Federal de São Paulo, e se centrará no livro Caminhos Divergentes: Judaicidade e crítica do sionismo, lançado neste ano pela editora Boitempo. O evento será transmitido ao vivo pelo site da CartaCapital a partir das 19 horas.

Em trecho da entrevista concedida a CartaCapital por e-mail, Judith Butler fala sobre a luta pela igualdade em suas diversas formas e sobre o temor que a questão de gênero ainda inspira. A íntegra da entrevista estará na edição 978. Confira:

CartaCapital: Como o feminismo e a questão Israel-Palestina se correlacionam em seu trabalho?

Judith Butler: Muitas vezes meu trabalho se relaciona com movimentos sociais. Eu tento entender o que está acontecendo e então ofereço uma visão teórica sobre o fato. Às vezes, isto serve como ponto de referência para aqueles que buscam refletir sobre suas posições políticas e sociais.

Talvez nós devamos adicionar o movimento queer a esta lista, assim como a minha filiação nas políticas anti-guerra. Para mim, a questão é por que é tão difícil para as pessoas viverem juntas em igualdade? O que é esta resistência à igualdade em si?

Claro, uma resposta é que os dominantes procuram manter essa posição, mas, ainda assim, é possível se perguntar: por que não é mais desejado viver em termos de igualdade uns com os outros? Por que algumas vidas são consideradas importantes e outras não?

O problema de como atingir a igualdade surge para mim de diferentes formas. Quem é passível de luto e quem não? Por que algumas vidas são valorizadas pela sociedade e outras não? Uma radical desigualdade ainda caracteriza as relações entre homens e mulheres e entre Israel e Palestina, e, apesar de não se tratar de uma analogia estrita, ainda podemos perguntar porque a igualdade é tão difícil de ser atingida. E como começar a entender a aversão à igualdade?

CC: No Brasil, conservadores radicais tem se mobilizado contra iniciativas de discussão de gênero, direitos LGBTQ e feminismo, que muitos entendem como parte de uma agenda de imposição da “ideologia de gênero”. Até mesmo sua conferência em São Paulo tornou-se alvo, com uma petição online alegando que “os brasileiros” não desejam sua presença em um “evento comunista”. Na sua opinião, por que o debate a respeito do gênero inspira tanto medo e desentendimentos?

JB: Talvez “gênero” seja uma palavra que nomeia a circunstância de mudança nas normas sociais. O ataque ao “gênero” provavelmente emerge do medo a respeito de mudanças na família, no papel da mulher, na questão do aborto e das tecnologias para reprodução, direitos LGBTs e casamento homoafetivo.

Para aqueles que acreditam que “homens” e “mulheres” são naturalmente dotados de traços que os levam necessariamente a participar de um casamento heterossexual e da formação de uma família, é desconcertante e, talvez, assustador perceber que algumas pessoas designadas ao nascer para as categorias “masculina” e “feminina” não desejem permanecer naquela categoria, ou que algumas mulheres não queiram ter filhos ou que algumas famílias sejam formadas por gays.

Todos esses elementos são desafiadores. Nunca me ocorreu que a conferência seja “comunista”, ainda que exista nela uma preocupação sobre formas de autoritarismo e aumento das condições de precariedade na economia. No entanto, não estou certa de que isso a qualifique como “comunista”.

CC: Ao mesmo tempo, há uma nova onda do feminismo surgindo no mundo todo. No Brasil, milhares de mulheres, em especial as jovens, estão engajando-se em movimentos de gênero e têm participado de manifestações públicas contra o sexismo, a favor da descriminalização do aborto e da visibilidade do feminismo negro. Qual é a sua visão sobre essa nova geração de mulheres mobilizadas?

JB: Acredito que essa nova mobilização feminista não vai parar, e que aqueles entre nós que são mais velhos aprenderão com as novas gerações, e que os esforços para suprimir os movimentos não serão fáceis, e que eventualmente falharão. Acho que a violência contra a a mulher é uma forte razão para mobilização, mas também é a diferença de renda, e as demandas por educação e igualdade.

O feminismo também tem sua própria crítica ao militarismo e ao autoritarismo, que em geral são formas masculinas de poder. Então, o feminismo não é uma política identitária, mas também uma visão poderosa de liberdade e igualdade.

Tory Oliveira. Colaborou José Antonio Lima 

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