Manifestações marcam a primavera feminista pela legalização do aborto e contra o fascismo

26 de setembro, 2018

Há mais de 25 anos manifestantes da América Latina e Caribe ocupam as ruas e, mais recentemente, as redes sociais, em 28 de setembro, Dia de Luta Pela Descriminalização do Aborto. A data foi deliberada a partir da sugestão de um grupo de feministas durante o 5º Encontro Feminista Latino-americano (Eflac) em 1990, na Argentina. Em meio ao processo eleitoral brasileiro marcado pelo protagonismo feminino na resistência aos retrocessos, neste ano a Frente Nacional pela Legalização do Aborto une-se ao movimento Mulheres Contra Bolsonaro e lança a Virada Feminista Antifascista pela Legalização do Aborto. Atos em defesa da legalização do aborto e contra o candidato à presidência do país, acontecem em várias cidades, respectivamente nos dias 28 e 29.

Acompanhe a programação em Florianópolis. 

“A gente decidiu em não se dividir e manter o dia 28 como ação forte nos estados, e ao mesmo tempo fazer chamada para o 29, reforçando que essa visão fascista tem consequências na saúde e corpos das mulheres. Nos aliamos totalmente e mudamos o nome da virada. Mantemos o 28 enquanto marco histórico do movimento latino-americano e caribenho e, ao mesmo tempo, mobilizamos a sociedade e, especialmente as mulheres, a partir da frente que integra uma diversidade de movimentos. Vamos mostrar a nossa força e que a vida de todas as mulheres importa”, explica Paula Viana, do Grupo Curumim que integra a Frente Nacional.

Há dois anos, a Virada Feminista On-line promove no 28 de setembro, 24 horas de debates de formação ao vivo nas redes sociais sobre a legalização do aborto. Nesta edição não haverá transmissão em tempo real. A programação que começa às 8h da próxima sexta-feira (28) e segue até às 8h de sábado vai reunir vídeos de participações on-line dos últimos anos, como o de Marielle Franco, vereadora assassinada no Rio de Janeiro, que propôs projetos para garantia do acesso ao aborto nos casos permitidos em lei.

As 24 horas de transmissão vão trazer também falas da audiência pública que discutiu a descriminalização do aborto no Supremo Tribunal Federal (STF) em agosto, e da audiência no Senado Federal que tratou da Sugestão Legislativa (SUG) 15 pela regulamentação do procedimento no SUS, em 2015. A exemplo do evento que mobilizou mulheres em apoio à audiência pública no STF, o Festival pela Vida das Mulheres, com shows culturais e discussões, acontece em capitais como Recife e João Pessoa. Toda a programação da virada, festivais e atos pode ser acompanhada na página da Frente.

De acordo com uma pesquisa da OMS (Organização Mundial de Saúde), lançada em setembro de 2017, 6,4 milhões de abortos foram realizados na América Latina no período entre 2010 e 2014 – 76,4% de forma insegura. O movimento pela descriminalização e legalização lembra que nesses países concentram-se as legislações mais restritivas do mundo sobre a prática, e por isso maior incidência de procedimentos clandestinos. Em El Salvador, Honduras, Haiti, Nicarágua, República Dominicana e Suriname, o procedimento é totalmente proibido, até mesmo quando a gravidez representa um risco à vida da mulher.

No Brasil, mulheres são criminalizadas pela prática do autoaborto quando buscam atendimento médico emergencial após realizarem o procedimento, como apurou Catarinas na série “Do pronto-socorro ao sistema penal”. Um levantamento feito pelo portal em 18 estados identificou mais de 330 processos pelo crime em 2017.  Recentemente tramitou na Câmara Federal o projeto de lei conhecido como Estatuto do Nascituro, que propõe dar status de pessoa ao feto. “Sucessivas medidas que representam ameaças aos nossos direitos vêm sendo tomadas tanto no executivo quanto no legislativo. Os fundamentalistas continuam a utilizar nossos corpos, nossas especificidades na saúde reprodutiva como moeda de troca, com o discurso pela vida que na realidade é contra a vida das mulheres”, afirma Viana.

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Primavera Feminista
Em outubro de 2015 o levante das brasileiras para barrar o Projeto de Lei 5069/2013, do então presidente da Câmara, Eduardo Cunha (hoje preso por corrupção), que buscava restringir o direito ao aborto previsto em lei, ficou conhecido como Primavera Feminista. “Não é exagero afirmar que o enfrentamento que as mulheres fizeram à figura de Eduardo Cunha nas ruas das grandes cidades foi o mais contundente que um deputado jamais experimentou”, explicam Maíra Kubik Mano e Márcia Santos Macedo, autoras de um dos artigos do livro “O golpe na perspectiva de gênero”, editado neste ano pela Edufba.

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Desde então, o movimento feminista se ampliou para além das universidades e organizações formais, ganhando adeptas ainda mais jovens. Nesta primavera o despertar das mulheres nas redes e nas ruas também tem na figura de um político (Jair Bolsonaro) seu maior alvo. “O que tem de novo é essa força que tem crescido nas ruas e redes contra esse símbolo, essa proposta fascista que tem se avolumado socialmente. É um movimento antifascista e mais radical pela democracia”, diz a entrevistada.

O movimento #EleNão em repúdio ao candidato à presidência, o ex-deputado Jair Bolsonaro, cresceu a medida que as posições dele e do seu vice, o general da reserva Antonio Hamilton Mourão (PRTB), foram reforçadas durante a campanha eleitoral. Conhecido pelo desprezo a grupos sociais não representados de forma democrática no parlamento, o cabeça de chapa da coligação “Brasil acima de tudo, Deus acima de todos” tem se posicionado contra os direitos das mulheres, de populações negras e indígenas e comunidade LGBT, além de defender o porte livre de armas e o retorno à ditadura militar. O grupo “Mulheres Unidas contra Bolsonaro” no Facebook, iniciado há menos de um mês, já conta com mais de três milhões de integrantes.

O grupo sofreu uma tentativa de silenciamento por defensores do candidato, depois de rackeado chegou a ser derrubado nas redes durante algumas ocasiões, mas foi restabelecido. Na noite da última segunda-feira (24), uma administradora do grupo foi agredida na Ilha do Governador (RJ) por três homens armados que estavam em um táxi perto da casa dela. Ela segue “com muitas dores, emocionalmente abalada, está amparada por amigos pessoais e de campanha”, conforme relato de uma amiga. A vítima é dirigente do Bloco Unidos da Ribeira e coordenadora de campanha do candidato a deputado estadual Sergio Ricardo do PSOL.

O avanço do pensamento fascista, representado na liderança do candidato à presidência, une mulheres das mais diferentes idades e frentes políticas, incluindo brasileiras que vivem em outros países. “A misoginia está explícita. Esse termo (misoginia), que muitas vezes estava restrito a espaços acadêmicos ou movimentos feministas, hoje está tomando sentido dentro da sociedade, as mulheres estão se tocando que não é possível perder direitos, não vamos voltar para a situação que nossas mães passaram. As manifestações misóginas causam muita comoção na comunidade feminista e a gente está acordando pra isso”, afirma a representante do Curumim.

Conforme Clara Araújo, professora e pesquisadora do Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), a mobilização segue uma tendência mundial de mulheres que dizem “‘basta, somos protagonistas, representamos a metade da população em todos os processos, vamos à luta’”. “É uma resposta muito inovadora que essa organização traz. Esse grupo reflete a rejeição, a vontade que as pessoas têm que esse candidato não seja eleito porque tem posições muito complicadas, na contramão das questões básicas de direitos de igualdade de gênero e da agenda das mulheres. A adesão nas redes também está se transformando num movimento de rua. A presença, a participação pública também são importantes”, analisa Araújo.

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