As mulheres costumam colocar sua própria saúde como secundária ou até terciária, mas está na hora de mudar essa história
Março é o mês das mulheres. O dia 8 marca a nossa luta histórica por igualdade, uma batalha contínua e que, por vezes, parece avançar dois passos e recuar três. E o dia 26 de março é a data mundial de Prevenção do Colo de Útero, indicada pelo Março Lilás. É o terceiro tipo mais frequente entre a população feminina e o quarto que mais leva à morte. E, quando detectado precocemente, tem altas taxas de cura.
No entanto, dentre tantas frentes de combate, uma das mais cruciais é a luta pela saúde da mulher. O Fórum Econômico Mundial publicou, no ano passado, um estudo demonstrando que, embora vivam mais que os homens, as mulheres passam 25% mais tempo de suas vidas em condições precárias de saúde. Mesmo assim, é incipiente a preocupação em entender como as doenças afetam os sexos de maneira diferenciada. Também falta interesse em aprofundar estudos sobre condições de saúde exclusivamente femininas, como a menopausa e a síndrome de tensão pré-menstrual (TPM).
É uma temática com a qual nós (Sabine e Adriana) temos uma relação direta há mais de 10 anos. Somos co-fundadoras de uma organização social que leva acesso à saúde especializada para regiões vulneráveis do Brasil, a SAS. Já realizamos mais de 500 mil atendimentos em mais de 350 cidades do país, sempre em parceria com o Sistema Único de Saúde (SUS). Nosso propósito é complementar serviços de exames e consultas, reduzir filas de espera e contribuir para a melhoria dos índices de cobertura nos municípios.
Desde o início da nossa operação, identificamos que a saúde da mulher é a área na qual podemos causar o maior impacto. Afinal, esse investimento transforma a vida delas, das famílias e da sociedade como um todo. Essa relação entre bem-estar e desenvolvimento econômico é quantificável.
Investir na saúde feminina dá retorno econômico
Para cada dólar investido na saúde da mulher há um retorno de aproximadamente três dólares em crescimento econômico, conforme demonstrou um estudo do Fórum Econômico Mundial, em parceria com a McKinsey. Mulheres saudáveis representam um impacto direto na sociedade e na economia.
Apesar desse retorno garantido, nossa experiência de campo ao longo dos anos respalda que as mulheres colocam sua própria saúde como prioridade secundária ou até terciária, como testemunhamos ao longo dos anos. Muitas enfrentam desafios estruturais intransponíveis.
Nos horários em que as unidades básicas de saúde estão abertas, elas estão trabalhando. Não têm com quem deixar os filhos para se consultarem. O médico mais próximo, muitas vezes, está a 300 km de distância. Não podem faltar ao trabalho para realizar as consultas ou exames preventivos.
Quando conseguem atendimento, não é incomum aguardarem meses pelo resultado. Isso sem falar dos tabus e limitações que alguns maridos impõem para que a mulher vá ao médico. Há um desafio cultural imposto por um país essencialmente machista.
Mutirões para simplificar o acesso
Buscamos tornar o acesso ao cuidado mais simples, acolhedor e eficiente. Realizamos mutirões para levar exames a regiões remotas. Um deles é o preventivo para diagnóstico precoce de câncer de colo de útero. Nós utilizamos o exame molecular do HPV (papilomavírus humano). Ele detecta a presença do vírus HPV-16 e 18, que são os subtipos mais associados ao câncer e já está disponível no SUS. Mas o exame preventivo mais comum é o popularmente chamado Papanicolau. A grande diferença é que o molecular detecta apenas a presença do vírus, enquanto o Papanicolau já detecta o tecido machucado pelo vírus.
Ao fazer o teste do HPV molecular, se o resultado der negativo, a paciente pode ficar até 5 anos sem realizar novo exame. Isso facilita muito a jornada do cuidado, já que o exame é desconfortável e, em muitas regiões, ainda é um tabu para várias mulheres e pessoas com útero.
Outra estratégia que passamos a utilizar recentemente em alguns mutirões é o exame de autocoleta. Nele, a mulher utiliza um kit com uma escovinha em uma haste de algodão e faz a própria coleta, inclusive em ambiente domiciliar. Essa solução torna o exame muito mais inclusivo para aquelas que têm questões culturais e/ou religiosas que restringem o acesso a exames ginecológicos. Também em caso de pessoas com mobilidade reduzida, por exemplo.
Estas estratégias tornam o cuidado da doença mais acolhedor e mais eficiente. Nos permitiram realizar ações de mutirão em mais de 80 municípios distantes das capitais. No total, cerca de 7.500 mulheres já foram triadas e 115 casos de câncer ou lesões precursoras detectadas na última década. Todos os casos de menor complexidade são tratados na própria carreta da SAS. A grande maioria em estágio inicial, e o tratamento é realizado em atendimento ambulatorial.
Quem cuida das mulheres que cuidam?
O caso mais grave que já diagnosticamos nesses anos retrata o quanto a mulher tende a cuidar dos outros antes de cuidar de si. Estávamos em uma cidade no sertão brasileiro, em Goiás, a 400 km da capital. Era um mutirão em parceria com o SUS, em que fizemos mais de 800 exames em 2 dias de ação. Ao final do último dia, ainda tínhamos algumas vagas e sugerimos que a própria equipe de enfermagem fizesse os exames.
A chefe de enfermagem da cidade tinha menos de 40 anos e havia realizado o Papanicolau há 3 anos, com resultado normal. Ao recebermos o resultado do teste molecular HPV dela, vimos o resultado positivo para o subtipo 16 e 18. Após realização da colposcopia, exame complementar, verificamos que já havia uma lesão grande no colo de útero e que ela precisava ser operada com urgência. Conseguimos uma vaga para a cirurgia, que foi um sucesso, e hoje ela está curada. Esta é uma dentre milhares de mulheres e pessoas com útero que lidam com essa doença anualmente.
A diferença entre vida e morte está na prevenção. E a educação sobre o câncer é a melhor forma de sensibilizarmos para a importância da prevenção em saúde. Por isso, elencamos abaixo algumas informações para que mais pessoas compreendam a doença, marcada por dualidades.