Priscila Amorim pontua os reflexos da prática conectada aos saberes ancestrais nos cuidados de saúde das pessoas com útero e a contribuição para atendimentos humanizados.
Embora nem sempre tenha tido essa nomenclatura, a ginecologia natural faz parte da vida de pessoas que têm útero há gerações. Presente, inclusive, nos hábitos de pessoas que vivem nas periferias que obtiveram esses saberes com suas mais velhas. Práticas como o consumo de chás, plantas e os banhos de assento são alguns exemplos desses cuidados ancestrais.
Priscila Amorim, médica especialista em ginecologia, conta que a ginecologia natural se trata de um cuidado baseado nos saberes ancestrais que não são os saberes da ginecologia moderna ocidental, tendo como base o funcionamento do ciclo menstrual e como ele se relaciona com a vida. “A ginecologia e a obstetrícia são ciências relativamente modernas [que] foram roubadas das mulheres. [Antes já] existiam as parteiras, as mulheres que se cuidavam [e] usavam os seus [próprios] remédios”, menciona.
A especialista aponta que na ginecologia natural o corpo é analisado no seu contexto biológico, social e espiritual. No sentido social passa pelo entendimento das relações que esse corpo carrega. “O corpo de uma mulher negra tem uma representação [diferente do] corpo de uma mulher branca, o corpo de uma mulher gorda vai ter um outro tipo de opressão”, explica. No aspecto espiritual, Priscila ressalta que não tem haver com religiosidade, mas com a intenção e uma crença de alcance da cura.
“Algumas coisas não serão totalmente possíveis, porque vai depender do quão oprimido esse corpo vai estar”, coloca Priscila ao ressaltar que as opressões podem se dar em diferentes sentidos, como um relacionamento abusivo, jornadas de trabalho excessivas, entre outras.
A percepção do ciclo menstrual também é um cuidado importante nessa prática, pois, segundo a médica, plantas e ervas medicinais podem ser uma forma acessível de aplicar a prática no cotidiano.
“Fundamental é não usar anticoncepcional, porque para você poder saber e perceber as questões é importante [manter o ciclo], mas ainda assim é possível [aplicar a ginecologia natural] porque você pode ter [e utilizar] uma planta”
Priscila Amorim, médica especialista em ginecologia
Indústria farmacêutica
Priscila buscou a ginecologia natural como ferramenta para lidar com as necessidades das pacientes que atendia. “Quando eu acabei a residência eu achava que a ginecologia não era muito resolutiva para as mulheres. O que eu via era muito anticoncepcional e cirurgias. Eu não via as pacientes felizes, elas voltavam com novos problemas”, coloca.
A médica pontua que um eixo importante da ginecologia natural é a fitoterapia. “Que é o conhecimento e a identificação das plantas, e uso delas como medicamento”. Nesse sentido, as plantas medicinais podem ser usadas de diferentes formas: pode comer, tomar o chá, banhos de assento, consumir através de tinturas que extraem o princípio ativo das plantas com álcool ou, dependendo do caso, aplicações na pele com óleo medicado.
Segundo ela, a maioria de suas pacientes recebem bem a indicação desses tratamentos e preferem essas alternativas. Priscila também pontua que financeiramente a ginecologia natural é acessível e por isso não tem valor para o mercado. “São plantas que têm uma facilidade de acesso, como o orégano”, exemplifica. “Para que a indústria farmacêutica vai estudar isso se ela não vai ganhar nada?”.
“Existe uma questão do ego do próprio profissional dentro da medicina. O que leva muitas vezes essas mulheres que sempre usaram recursos naturais e tradicionais para autocuidado omitirem essas informações para o profissional, porque elas têm medo de represália”, comenta. “Talvez o que precise mais seja a gente acolher esses conhecimentos do que as pessoas já têm, o que precisa fazer como extra [é] a humanização do cuidado”, diz a médica.