Pesquisa mostra que Nordeste é a região com o maior percentual de prefeitas, 16%. Como as demais mulheres, o trabalho doméstico é obstáculo na carreira. Das prefeitas brasileiras, 87% têm pelo menos um filho e 74% estão casadas
(Carta Capital, 17/11/2018 – acesse no site de origem)
Alzira Soriano foi a primeira mulher latino-americana a ser eleita prefeita. Foi em 1928, na cidade de Lages, no interior do Rio Grande do Norte. O mesmo estado foi o único a colocar uma mulher, Fátima Bezerra, no poder como governadora nas eleições deste ano.
Passadas nove décadas desde Alzira, o Nordeste ainda é a região com o maior percentual de prefeitas, 16%. Também tem o maior número absoluto: 288, diante de 1.505 prefeitos. Em todo o País, os municípios governados por prefeitas de cidades que abrangem somente 7% da população.
As mulheres estão no comando de apenas 11,7% das prefeituras no Brasil, apesar de serem 51% da população. Quando se analisa as mulheres negras, o número é mais disforme. Elas são 27% da população, mas governam apenas 3% das prefeituras.
Os dados são da pesquisa Perfil das Prefeitas no Brasil 2017-2020, realizada pelo Instituto Alziras, que ouviu 45% das 649 das prefeitas eleitas em 2016.
As prefeitas acumulam experiência na política em sua trajetória – 88% delas tinham atuação política antes de serem eleitas -, têm mais anos de estudo do que os prefeitos homens – 71% delas têm ensino superior completo e, 42%, pós-graduação.
Elas superam enormes desafios em municípios pequenos e sem recursos – 91% foram eleitas em municípios com até 50 mil habitantes – e têm patrimônios declarados 55% menores em relação aos homens.
O dossiê traz números que ajudam a entender, para além do perfil destas mulheres, quais são seus maiores desafios e traz uma mostra do machismo: o que elas enfrentam no dia a dia passa longe das dificuldades de um homem na política. Uma em cada cinco prefeitas, por exemplo, destacaram que o trabalho doméstico é uma das principais dificuldades enfrentadas em sua carreira política.
Percalços diários
Segundo Flávia Biroli, professora do instituto de ciência política da UnB e integrante do Instituto Alziras, a divisão sexual do trabalho, que ainda é mais forte principalmente nas cidades pequenas, retira das prefeitas eleitas tempo e recursos. “Elas encontram dificuldades para conciliar a vida política com as expectativas ainda existentes quanto ao papel das mulheres na sociedade”, explica.
Das prefeitas brasileiras, 87% têm pelo menos um filho e 74% estão casadas ou em união estável. Segundo a expectativa de uma sociedade calcada nos estereótipos de gênero e na lógica patriarcal, muitas dessas mulheres acabam fadadas a jornadas duplas ou triplas.
“É interessante notar o baixo percentual de Prefeitas que podem compartilhar com um cônjuge as distintas tarefas domésticas. Essa parcela é de 7% para a limpeza doméstica e para a lavagem de roupas, equivale a 8% na cozinha, subindo para 22% nos cuidados com crianças, idosos e pessoas com deficiência e 18% no caso das compras de mercado.”
Elas também relataram outros percalços que impactam sua vida política. Dentre as prefeitas entrevistadas, 53% já sofreu assédio ou violência política pelo simples fato de ser mulher e 30% foram vítimas de assédio e violências simbólicas no espaço político.
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Atuação dentro dos partidos
“Os partidos políticos investem menos em suas candidaturas do que nas dos homens, abrem menos espaço para elas na propaganda partidária e nas ações de campanha e, com poucas exceções, não adotam medidas para reduzir preconceitos e violências contra elas”, comenta Flávia Biroli,
Das entrevistadas, 48% reclamou de falta de recursos para campanha, 24% sente falta de espaço na mídia, em comparação com políticos homens. Além disso, 23% relatou já ter sentido desmerecimento de seu trabalho ou de suas falas e 22% sente falta de apoio do partido e/ou base aliada.
Segundo a pesquisa, a posição no espectro ideológico ou a adoção de uma linha progressista não tem refletido necessariamente em uma postura igualitária dentro dos partidos. Em todos eles, há predominância de homens eleitos para o cargo de prefeito. Dentro do PT, elas são 12%, no PSDB, são 10%, por exemplo.
O dossiê não fala sobre candidatas laranja nas prefeituras. Desde 2009, quando o Tribunal Superior Eleitoral exigiu 30% de diversidade de gêneros nas candidaturas, os partidos correm atrás da meta. Além disso, 30% do Fundo Especial de Financiamento de Campanha deve ser destinado às candidaturas femininas.
Com as candidaturas laranja, os partidos tentam para burlar as regras, registrando qualquer candidata – saiba ela ou não – e invisibilizando as candidaturas, dando pouco ou quase nenhum dinheiro a elas. Nem todas recebem parte da fatia do fundo de financiamento, que é repassada para outro candidato.
Tomando espaços
Apesar dos desafios, a pesquisa traz dados positivos em relação à uma superação, ainda que lenta, da sub-representação das mulheres na política. Das prefeituras chefiadas por mulheres, 69% tem ações específicas para esse público.
Ainda é objeto de estudo na Ciência Política se mulheres governam necessariamente para outras mulheres. A pesquisa mostra, entretanto, que a participação de mulheres na política estimulam outras a também tomarem esse espaço para si.
De acordo com o dossiê, 55% das prefeitas tem seu secretariado composto por mais de 40 % de mulheres. Além disso, das entrevistadas, 53% citou como figuras de inspiração mulheres que estiveram ou estão na carreira ou atuação política. De Zilda Arns a Angela Merkel.
Para Flávia Biroli, o tema da sub-representação das mulheres na política no Brasil entrou no debate público apenas com a transição para a democracia, ainda nos anos 1980. “Embora as mulheres continuem em larga desvantagem na política, a sub-representação aparece como problema no debate público”, afirma.