Levantamento do G1 mostra que 0,007% das cidades abrigam metade dos acessos no país. Governo promove a maior mudança nas telecomunicações em 20 anos.
(G1, 16/12/2016 – acesse no site de origem)
Quase 40 cidades brasileiras respondem por metade da banda larga fixa do Brasil em 2016, segundo levantamento realizado pelo G1 com base nos dados da Agência Nacional das Telecomunicações (Anatel).
O governo federal promove a maior mudança nas telecomunicações em 20 anos, que pretende desconcentrar a internet brasileira ao transferir os esforços da universalização da telefonia fixa para a expansão da banda larga.
Segundo representantes do governo ouvidos pela reportagem, o quadro de conexão pouco distribuída é gerado pelo interesse comercial, que foca em regiões ricas e mais populosas. A situação também é agravada pelas dificuldades para ampliação da infraestrutura de redes. Para a Anatel, apesar concentração, houve avanços nos últimos anos, como o aumento da quantidade de pequenos provedores de conexão, responsáveis por levar a banda larga para o interior do país.
Desigualdade regional
De acordo com os dados tabulados pela reportagem, referentes a outubro deste ano (os mais recentes disponíveis), as 37 cidades mais conectadas do país tinham 13,3 milhões dos 26,6 milhões de acessos à banda larga fixa registrados.
Isso quer dizer que 0,007% dos 5.569 municípios brasileiros são responsáveis por quase 50% dos acessos fixos ao mundo digital. Metade delas está no Sudeste: 11 em São Paulo, 4 no Rio e 2 em Minas Gerais. Esses três são os únicos estados que possuem mais cidades na lista, além de suas próprias capitais.
As capitais de outros sete estados (Acre, Amapá, Roraima, Tocantins, Rondônia, Piauí, Espírito Santo) nem chegaram a integrar a listagem. Dessas, Rio Branco, Macapá, Boa Vista, Palmas e Porto Velho não possuem sequer mais de 100 mil acessos, uma particularidade de apenas 45 cidades brasileiras.
O levantamento do G1 não contabilizou pontos móveis de acesso por não serem registrados por município e, sim, por código de DDD, que é compartilhado por mais de um município.
O que explica a má distribuição
“Eu não diria que é culpa das empresas esse cenário de concentração”, afirma Carlos Baigorri, superintendente de competição da Anatel. Ele diz que não há nenhuma regra que determine a universalização do serviço de banda larga, chamado pelo nome técnico de Serviço de Comunicação Multimídia (SCM). Em regime privado, ele respeita apenas as regras de mercado. “É natural para uma empresa que ela vá fazer sua cobertura em região que tenham maior demanda, maior concentração de pessoas e de renda.”
As 37 cidades superconectadas, no entanto, abrigam 28% da população brasileira, segundo o Censo 2010.
“A banda larga fixa ainda é, apesar dos investimentos que as empresas têm feito, muito concentrada, não só em termos municipais, mas nos bairros afastados, nas periferias das grandes cidades”, explica Artur Coimbra, secretário de Banda Larga do Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC).
O secretário avaliou os números a que o G1 chegou. Para ele, a maior presença da banda larga reflete a concentração de indústrias, empresas e entidades do governo nessas cidades mais conectadas. “Em São Paulo, pouco mais de um terço são de acessos corporativos. São acessos que não se refletem em número de domicílios na internet. Em Brasília, é quase metade. Em Belo Horizonte, são 20%”.
Passado e futuro
A situação já foi mais profunda. Em 2007, apenas 13 cidades respondiam por metade dos acessos à internet. De lá para cá, ainda que a conexão tenha avançado em cidades médias e pequenas, os maiores volumes de acesso ainda ocorreram nos grandes centros.
Para Artur Coimbra, a concentração é ainda um reflexo da dificuldade de instalação de infraestrutura de banda larga. Ele lembra que, só em 2015, entrou em vigor a Lei das Antenas, que fixou parâmetros nacionais para instalação de equipamentos de conexão como, por exemplo, estações de rádio-base e cabos de fibra ótica. Antes disso, eram as próprias cidades que ditavam as regras, o que tornavam o avanço da construção de redes lento e fragmentado.
Mudanças na lei
Neste ano, Anatel e MCTIC deram início a uma alteração da Lei Geral das Telecomunicações para atender a uma reivindicação das empresas e permitir que direcionem mais recursos à internet. O plano visa:
- acabar com o regime público da telefonia fixa, o que desobriga as prestadoras de arcar com custos da universalização;
- impulsionar investimentos na expansão da internet de alta velocidade para localidades desconectadas, como o interior e as periferias de grandes cidades.
O projeto de lei já foi aprovado pelo Senado e deve seguir para sanção do presidente Michel Temer. Pelo texto, as empresas que aceitarem migrar suas concessões (regime público) para autorizações (regime privado) ao fim dos contratos em 2025 terão reforço no caixa para investir em banda larga.
O governo avaliará os bens reversíveis, infraestrutura de rede e prédios vinculados à telefonia fixa, e chegará a um valor. O dinheiro deverá ser integralmente custear a ampliação da internet fixa.
Provedores regionais
Na ponta oposta, liderando entre os 99,993% dos municípios brasileiros que se acotovelam para dividir a outra metade da internet brasileira está a cidade de Paraíso das Águas (MS). O município de 5.251 habitantes registra a menor quantidade de acessos a banda larga: apenas um, fornecido por satélite pela BT Brasil, com capacidade de até 512 Kbps. Só que o gargalo na conexão é resolvido de outra forma.
“Eu tenho internet fixa, sim. É de um fornecedor nosso aqui, o Maicon”, diz a recepcionista Jeane Rodrigues Ferreira, de 24 anos. Maicon é o responsável pela Infonet, um provedor regional que, de tão pequeno, não reporta dados para a Anatel e não aparece nas estatísticas.
O superintendente da Anatel diz que, apesar de parte de a banda larga ainda estar concentrada em um punhado de cidades, nos últimos anos houve aumento da oferta, que passou a ser feita de forma descentralizada e com mais intensidade por provedores regionais, mesmo com toda a informalidade. “Nas pequenas e médias cidades, os provedores regionais são os que estão fazendo crescer a infraestrutura, são eles que estão fazendo expandir a banda larga em termos geográficos.” Jeane, por exemplo, só passou a se conectar há um ano.
Dentre os 721 mil novos acessos de banda larga criados em 2016 até setembro, 56% partiram dos pequenos. “São vários pequenos que juntos formam um grande”, diz Baigorri.
Eles já atendem consumidores, como a recepcionista Michele Cristina da Silva, de 33 anos, que mora em Andirá (PR), mas trabalha em Cambará (PR). Cliente da Visão Net, ela não conhece quem seja atendida por empresa grande e reclamada da velocidade da rede. “Meu pai navega no YouTube pela TV, a gente tem smarTV, só que, de vez em quando, ele perde a paciência quando demora o que ele quer ver”, comenta. Jeane também sofre: “Até para usar aplicativo de mensagem, demora a enviar a mensagem.”
O número desses provedores regionais saltou 65% desde maio de 2013 até julho de 2016 (último dado disponível). Há três anos, a Anatel reduziu uma das barreiras de entrada no setor. Cortou o preço da licença para atuar com banda larga de R$ 9 mil para R$ 400.
Segundo Erich Rodrigues, presidente da Associação Brasileira de Provedores de Internet e Telecomunicações (Abrint), muitas dessas empresas nasceram como lan house e aproveitaram a vontade do brasileiro de se conectar para passar de meros pontos de acessos a provedores de internet. “Hoje você topa ficar sem energia, mas não topa ficar sem internet.”
“A universalização da banda larga está ligada ao desenvolvimento econômico e social, segundo o Banco Mundial”, lembra Rodrigues. “Os provedores têm feito esse papel. Se alguém achou que dividir o Brasil por três, quatro empresas iria resolver o problema de conexão, tá aí a população para mostrar que não funcionou.”