(ijnet, 14/09/2015) Se o número de jornalistas que cobrem violência no México é pequeno — e é — o número da cobertura da violência contra as mulheres é ainda menor. O tema é cheio de perigos e é complicado pelo fato de que muitas de suas fontes estão mortas. As que estão vivas, tanto as famílias das vítimas como os perpetradores da violência, nem sempre são fáceis de abordar.
Alice Driver, que já fez reportagens para o site Vice, Al Jazeera Inglês e outros, sabe muito sobre esse tema; ela passou sete anos estudando feminicídio ou violência contra as mulheres que termina em assassinato, em Ciudad Juárez, no México. Seu livro “More or Less Dead: Feminicide, Haunting, and the Ethics of Representation in Mexico” (não traduzido) foi publicado pela University of Arizona Press no início do ano.
Alice diz que a mídia frequentemente é cúmplice na perpetuação da violência contra as mulheres, especialmente em Juárez, geralmente retratando vítimas como “prostitutas” ou “mulheres más”, da mesma forma que são retratadas pela polícia, e “culpando as vítimas do feminicídio por sua própria morte.”
Nós falamos com Alice via e-mail sobre lições para jornalistas.
IJNet: Como o seu livro e pesquisa podem informar a abordagem e reportagem de jornalistas que fazem reportagens sobre feminicídio?
Alice Driver: Deve informar a abordagem da reportagem fornecendo uma história da cobertura antiética e sexista que o feminicídio [no caso] em Ciudad Juárez recebeu no passado. De alguma forma, jornalistas, cineastas e escritores continuam a representar o feminicídio de uma forma sensacionalista e sexista que traz muita atenção aos cadáveres e à violência física, mas pouca atenção para realmente investigar os crimes. A questão toda é que nós, como sociedade, temos que parar de sexualizar os corpos de mulheres de uma forma que lhes culpe por suas próprias mortes.
Estes problemas não são exclusivos ao México. Em 2011, o New York Times publicou um artigo sobre o estupro coletivo de uma menina de 11 anos de idade, e o jornalista que escreveu o artigo incluía uma citação de entrevistados perguntando: “Onde estava sua mãe?” E afirmando que a vítima “parecia mais velha do que era, com cabelos longos e maquiagem escura”. Estes são o tipo de afirmações que são feitas sobre vítimas de feminicídio, que culpam as mães e as próprias vítimas de crimes.
IJNet: Como você estruturou o tema de feminicídio para o estudo acadêmico? Quais foram suas perguntas de pesquisa?
Eu formulei as questões em termos da análise da segunda vitimização – a forma como a mídia, tanto nacional como internacional, sistematicamente culpam as mulheres desaparecidas e mortas e suas famílias pelos crimes. Em jornais, televisão, filmes e livros, as vítimas de feminicídio são muitas vezes retratadas em termos físicos, como o tamanho dos seios, o tipo de roupa que vestem ou a cor que pintam suas unhas.
Eu entrevistei fotógrafos, jornalistas, cineastas, ativistas e artistas sobre como representar vítimas de feminicídio com respeito a elas e suas famílias e promover a justiça.
IJNet: Qual é o estado atual da reportagem sobre o feminicídio no México a nível nacional e internacional?
Ambos os meios de comunicação mexicanos e americanos estão começando a dar mais atenção à questão. O Vice acabou de produzir um documentário sobre o feminicídio no México, o Sin Embargo publicou uma série de três artigos [veja a parte um, dois e três] sobre feminicídio por Sandra Rodiguez Nieto.
IJNet: Há algo que diferencia o feminicício no México dos outros países?
Sim, há muitas questões complexas no trabalho. Em primeiro lugar, há um nível de sexismo que é uma parte estrutural de muitas das principais instituições no México (polícia, exército, do sistema de justiça). Eu trabalhei em direitos humanos quando estava na Cidade do México e depois de ver como os juízes, advogados e agentes penitenciários se comportaram em primeira mão com as mulheres e os crimes que envolvem vítimas do sexo feminino, não há nenhuma dúvida em minha mente que é muito mais difícil para as mulheres receberem tratamento .
O sexismo é mais profundo e impede as mulheres de ter acesso à justiça porque suas vozes são muitas vezes ignoradas ou menosprezadas. Em muitos lugares no México, as mulheres ainda são limitadas a espaços principalmente domésticos, portanto, qualquer tempo que habitam o espaço público ou sofrem um crime no espaço público, a pergunta é sempre: “Por que você não estava em casa com seus filhos?” ou “por que você estava andando sozinha, sem seu marido/namorado/etc.?”
IJNet: Alguma consideração particularmente importante para jornalistas? Anonimidade para as fontes? Perigos? Como proteger a si mesmo e as fontes?
O que tornou a minha pesquisa possível foi fazer contatos locais como Julián Cardona, um fotojornalista que mora e trabalha em Juárez nos últimos 20 anos. Seu conhecimento e aconselhamento guiaram minhas decisões sobre como navegar em Juárez, numa época em que era a cidade mais perigosa do mundo.
Quanto a fontes, nenhuma delas me pediu para permanecerem anônimas, mas isto é provavelmente porque eu estava escrevendo um livro acadêmico que tem um número muito pequeno de leitores e leva anos para publicar, então envolve menos risco imediato.
Julie Schwietert Collazo
Acesse no site de origem: A cobertura da violência contra a mulher sem sensacionalismo ou sexismo (ijnet, 14/09/2015)