(Galileu, 05/02/2018 – acesse no site de origem)
o livro O Mito da Beleza, a norte-americana Naomi Wolf escreve: “A obsessão com a estética femeinina não é uma obsessão com a beleza feminina, e sim com a obediência feminina”. A reflexão fez com que a fotógrafa Maria Ribeiro, de 32 anos, repensasse todo seu trabalho.
Há alguns anos, ela trabalhava como diretora de fotografia no mercado publicitário. “Comecei a ver os bastidores da indústria, que cria uma imagem para representar a mulher na mídia”, conta Ribeiro à GALILEU. “Vi a construção dessas mulheres. As modelos fotografadas já eram muito próximas dos padrões estéticos, mas além disso eram maquiadas de forma invasiva, sob uma luz forte e tinham suas imagens manipuladas no Photoshop.”
Abalada com o processo por trás de uma indústria “que faz com que milhares de mulheres no mundo se odeiem”, ela criou o projeto “Nós Madalenas, Uma Palavra pelo Feminismo”, por meio do qual passou dois anos fotografando mulheres ao natural, em preto e branco com a palavra que para elas equivalia ao feminismo escritas no corpo de batom.
A iniciativa virou um livro que rendeu a ela o prêmio Ivone Herberts pela relevância do trabalho em prol das mulheres e trouxe a oportunidade de participar da produção de um documentário da ONU Mulheres em Nova York, nos Estados Unidos. Durante a experiência, a fotógrafa, junto com vários coletivos, teve a ideia de criar a campanha #dontphotoshopme (“Não use Photoshop em mim”, em tradução livre), que tem como objetivo chamar a atenção para a manipulação de imagens femininas e a falta de representatividade de corpos reais na mídia.
Conversamos com Ribeiro sobre sua experiência e a importância da campanha. Confira:
Por que ter imagens que não são manipuladas na mídia é importante?
A imagem da mulher é um ato político. Como a Naomi Wolf diz em O Mito da Beleza, que direciona muito meu trabalho, a obsessão com a magreza feminina não é com a beleza feminina, mas com a obediência feminina. As dietas foram uma arma poderosa para controlar as mulheres, já que uma parcela da população insana é fácil de ser controlada. As imagens de mulheres que são divulgadas hoje não existem. Nem as próprias modelos se parecem com as imagens nas quais aparecem. É um modelo que não cabe em ninguém e é feito propositalmente para que passemos a vida inteira atrás dele.
A quantidade de tempo, energia e recursos que gastamos na busca pelo corpo perfeito nos priva de empregar isso para outros objetivos que realmente podem nos trazer conquistas que podem nos fazer felizes. Com o corpo irreal, nunca vai ser o suficiente. Nunca chegaremos lá: é um estado de constante infelicidade, o que traz muitas consequências além do físico. Além de provocar que uma quantidade de mulheres tenham distúrbios alimentares e saúde mental, traz um problema de autoestima. É importante que façamos com que a mídia tenha representatividade. Isso importa, faz com que a sociedade pare de nos atacar através dos nossos corpos para nos atingir de outras formas.
Esse trabalho fez com que você repensasse a relação que tem com o próprio corpo?
Totalmente. A Maria que começou esse trabalho há quatro anos não é a de hoje e a que está em constante evolução. O contato com essas mulheres me fez repensar minha própria história e como me relaciono com meu corpo. Costumo dizer que nos amar é um trampo diário. Achei que quando entendesse o funcionamento da indústria, meus problemas se acabariam, mas não é bem assim que funciona, seguimos essas influências de forma muito insistente desde crianças, então é realmente um trabalho diário.
Às vezes também acordo odiando meu corpo. Penso que estou horrível, velha, com rugas. Tenho sempre que fazer um trabalho de desconstrução. Tem dias em que você não consegue e é ok também. No outro dia a gente começa de novo e segue o baile. Somos uma geração que está nesse processo de desconstrução muito forte. Estamos finalmente nos apropriando do se sentir bela — se gostar do jeito que se é que é algo que sempre nos foi negado.
Como foi sua experiência na ONU Mulheres em Nova York?
Dez fotógrafas e cineastas do mundo se reuniram em Nova York para fazer um documentário sobre “o pessoal é político”, para contarmos uma pequena história de ativistas que estavam indo para Nova York e mostrar como a vida pessoal delas influenciou o ativismo delas e como esse ativismo impactou a comunidade. Fui a única brasileira selecionada, e fiz um filme sobre uma ativista que participou de forma ativa na criação da ONU Mulheres. Tive a oportunidade de filmar com ela, exibir o filme lá. Foi uma experiência única: muito construtivo, uma troca incrível de ideias sobre o ativismo e como nos colocamos em tudo isso.
Decidi ficar mais tempo nos Estados Unidos e meu trabalho com mulheres indígenas foi selecionado para uma exposição em Nova York, fiz contato com outros coletivos de mulheres artistas que discutem o que é ser mulher e fui convidada para fazer workshops sobre o meu trabalho em um espaço chamado “The New Woman Space” e participei de várias ações sociais, foi uma época de muito aprendizado, contatos, de trocar muito, de levar meu trabalho e conhecer o trabalho de artistas do mundo inteiro.
A campanha #dontphotoshopme surgiu a partir dessa experiência?
A ideia da campanha surgiu durante esse período em Nova York e do contato com outras pessoas que estão na mídia falando sobre isso, como o Todas Juntas, canal de modelos brasileiras plus size brasileiras que trabalham em Nova York. Elas falam que liam as revistas e não se viam ali. Trocando, conversando com essas mulheres surgiu a ideia de fazermos a campanha, elas abraçaram a ideia, bem como vários coletivos que entendem a importância de termos uma representatividade maior. Não ter manipulação é só um passo, temos um padrão de beleza eurocêntrico, misógino e excludente. Quando tiramos o Photoshop, abrimos um precedente para termos mais diversidade.
Como a campanha irá se manifestar?
A campanha é para a internet. Queremos um espaço onde mulheres do mundo todo postem fotos suas ao natural com a hashtag #dontphotoshopme.