(O Globo, 08/04/2016) Vencedor de dois prêmios Teddy, em Berlim, mexicano, que esteve no Rio para um festival de cinema de seu país, diz que cresceu querendo fazer filmes como Glauber Rocha
“Tenho 40 anos e dedico-me ao cinema desde os 17. Quis ser cantor de ópera e interpretar grandes papéis dramáticos, mas a vida decidiu por mim e me colocou no cinema, onde abordo um tema pouco explorado na América Latina: a juventude e sua sexualidade. Não sou do tipo que agrada a todos.”
Conte algo que não sei.
O cinema mexicano vive um novo renascimento. A produção no país cresceu em média 30% nos últimos anos. Em 2003, seis filmes eram lançados. No último ano, mais de 170. Destes, muitos abordam temáticas libertárias, como a diversidade sexual, que é algo novo. Muitos diretores da minha geração se autocensuravam para assegurar o financiamento de seus filmes. Isso desapareceu com a tecnologia e as novas formas de produção e distribuição, que diminuem a dependência de financiamento.
A homossexualidade é um tema de seus filmes, não?
Desde que comecei, em 1992, meus personagens não têm um sentimento de autocompaixão ou repressão acerca de sua opção sexual. Eles assumem sua sexualidade de forma muito livre. Não têm que lidar com questões como “sair do armário” ou enfrentar a família e, sim, como estabelecer uma relação sólida com outra pessoa, independentemente do sexo.
Como essa abordagem repercutiu no México?
O cinema latino-americano é muito homofóbico. Com muitos diretores assumindo sua homossexualidade, nos últimos anos, isso se amenizou, mas segue difícil. Já passei por bloqueios, inclusive do Estado, para terminar meus filmes. Mesmo produzindo de forma independente, em algum momento, precisei de apoio público para financiamento. Desde 2000, tudo tem andado a passos largos, com a conquista de alguns direitos para a população LGBTTTI (Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais, Transgêneros e Intersexuais).
O que sentiu quando pessoas deixaram o cinema por causa de cenas de sexo explícito em seu último filme?
O que me interessa é descobrir por que ainda há cenas que incomodam. Minha intenção sempre foi tirar as pessoas da comodidade, para que possam refletir sobre sua sexualidade.
Qual a sua relação com o cinema brasileiro?
Cresci querendo fazer filmes como Glauber Rocha. Mas conheço pouco da produção recente, como acho que se conhece pouco do cinema mexicano aqui. Há um desconhecimento desolador diante da grande oferta que há hoje. Quando dou aulas, preocupo-me em infundir nos alunos liberdade e arrojo para que se tornem contestatários. Quero que percebam que o cinema pode ser uma ferramenta que ajuda a expor sentimentos.
Você queria ser cantor de ópera. Por que o cinema?
Cresci numa família cinéfila. Juntos, assistíamos a filmes mexicanos melodramáticos. Na tela, vivíamos uma vida que não tínhamos. Quis ser cantor de ópera, mas uma professora disse que não tinha a disciplina necessária. Aí descobri a escola de cinema, e fui aceito. Significa muito para mim ter podido fazer filmes sobre assuntos que não eram falados, mas recriminados, na década de 1990. Fui até tirado do armário por conta disso.
Como assim?
Em 1994, no fim da faculdade, fiz um filme considerado importante por um jornal mexicano influente, que o classificou como “um filme de um cineasta homossexual”. Dali, pronto, tiraram-me do armário. E foi natural. Não tive que dar explicações a ninguém. Minha avó nunca me perguntou nada (risos). Comecei a abordar a homossexualidade na adolescência porque ia ao cinema e não me via representado. E quando via personagens gays eram sempre ridicularizados, com uma carga negativa ainda comum no cinema latino-americano.
Ana Paula Blower
Acesse o PDF: Julián Hernández, cineasta: ‘O cinema latino-americano é homofóbico’ (O Globo, 08/04/2016)