Em um ano no qual a política falou mais alto, com participação popular para queda da ex-presidente Dilma Rousseff e do ex-presidente da Câmara dos Deputado, o deputado cassado Eduardo Cunha, o Festival de Brasília do Cinema Brasileiro não podia vir diferente. O sempre barulhento festival traz na sua 49ª edição, que inicia nesta terça-feira (20) e vai até o dia 27, um ar ainda mais provocativo. A expectativa é que, desde a abertura, o festival seja marcado por manifestações.
(HuffPost Brasil, 20/09/2016 – acesse no site de origem)
O principal motivo para isso é a escolha dos filmes que estão na mostra competitiva, rodeados de impasses vividos pela sociedade brasileira. Um dos longas, Rifletem como pano de fundo a questão fundiária no País. Na sequência, o Martírio é um documentário que traz a questão indigenista, com a disputa entre os índios Guarani Kaiowá com o agronegócio. O tema indígena é ainda abordado em outro filme: Antes o tempo não acabava.
As minorias são o forte do evento. O último trago estimula o debate com a união de miseráveis. Já a quebra de fronteiras é tratada em dois longas: A cidade onde envelheço, recheado de memórias entre Brasil e Portugal, e Vinte anos, que traz histórias de três casais cubanos. Único filme brasiliense da mostra, Malícia trata de falcatruas, bastante comuns na rotina do brasileiro.
O tom político é enaltecido pela mostra paralela “A política no mundo e o mundo da política”, com cinco filmes, divididos entre documentários e ficções sobre os bastidores do mundo da política. O foco é mostrar que de um jeito ou de outro a política se mistura com a vida.
“’A política no mundo e o mundo da política’ exibirá filmes como A cidade do futuro, ficção que aborda a formação de uma família fora dos padrões, em Serra do Ramalho, no sertão da Bahia. Também Entre os homens de bem, doc que registra a atuação do deputado Jean Wyllys no Congresso Nacional, abordando questões como preconceito, democracia e polarização da política brasileira. Sexo, Pregações e Política oferece um olhar crítico sobre a decantada liberdade sexual brasileira, enquanto mostra o crescimento do conservadorismo no País. Estopô Balaio acompanha o trabalho e a atuação do coletivo teatral que atua na zona leste de São Paulo, frequentemente inundada por chuvas. E Taego Ãwa mostra a luta que o povo Ãwa trava desde 1973 contra o branco pela demarcação e restituição de suas terras”, explica o festival, em nota.
Além da política, conflitos de gênero serão exibidos nos filmes Câmara de espelhos e Precisamos falar do assédio, que serão exibidos em três sessões de complemento à mostra competitiva.
História, protestos e vaias
O Festival de Brasília do Cinema Brasileiro é tradicionalmente conhecido como o reduto dos filmes que instigam o debate. Geralmente são lançados no festival aqueles que trazem um olhar diferente ou que vão gerar discussão, como foi com Lula, o Filho do Brasil, de Fábio Barreto, que abriu o 42º festival.
Curador do evento, Eduardo Valente disse ao Correio Braziliense que o potencial de instigar o debate foi um dos critérios levados em consideração na escolha dos longas.
“Sabemos da relevância dos debates gerados no dia seguinte. Pensamos nos filmes que iam esquentar as projeções à noite com desdobramento da experiência ainda no dia seguinte. Nos filmes, passamos por paisagens não só do Brasil, mas também do exterior, com tema que alcançam até as transformações, nos últimos 20 anos, em Cuba.”
No ano passado, a polêmica do festival ficou por conta de Cláudio Assis, diretor do grande premiado Big Jato. Assis foi amplamente vaiado e chamado de machista por ter criticado a diretora Anna Muylaert, de Que horas ela volta?, a atriz Regina Casé e equipe do filme. Em tom ameno, Assis chegou ao festival chamando atenção para a população LGBT, com uma camiseta elogiando a diversidade sexual e de gênero.
Em 2014, o cineasta Eduardo Coutinho, diretor de Cabra Marcado para morrer, recebeu homenagem póstuma. Considerado um dos maiores documentaristas do cinema brasileiro, Coutinho foi o premiado de melhor filme no festival, em 1999, com Santo Forte. O diretor foi assassinado em fevereiro de 2014.
Grasielle Castro