Campanhas e candidaturas de mulheres: possibilidades e obstáculos

03 de janeiro, 2011

(Por Patrícia Negrão*, da Agência Patrícia Galvão) Uma mulher é eleita presidente da República. Na contramão desta conquista, o Brasil só tem 8,8% de mulheres ocupando cargos eletivos e, de todos os países da América Latina, só não perde para o Panamá. Na Argentina e Costa Rica, são 38%. Esta lacuna brasileira foi analisada pela socióloga Clara Araújo e pela cientista política Teresa Sacchet a partir de uma extensa pesquisa sobre o papel das candidatas mulheres na campanha eleitoral e dentro dos partidos.

As mulheres no processo eleitoral de 2010

Em sua exposição, a socióloga Clara Araújo, professora e coordenadora do Núcleo de Estudos sobre Desigualdades Contemporâneas e Relações de Gênero da UERJ, analisou alguns resultados preliminares da pesquisa de acompanhamento das eleições realizada pelo Consórcio Bertha Lutz**.

De acordo com Clara Araújo, o Consórcio Bertha Lutz dividiu as pesquisas em três eixos: mídia e perspectiva de gênero; opinião pública; e os mundos interno e externo de campanhas e candidaturas. “Trata-se de uma pesquisa extensa; a maior parte da coleta de dados terminou no final de outubro, mas estamos ainda fazendo as entrevistas com candidatos eleitos; portanto, não há tantos dados sistematizados”.

Clara Araújo explicou que o objetivo do eixo por ela coordenado foi fazer uma avaliação, a partir do levantamento e análise das candidaturas, sobre quais caminhos as mulheres percorrem para viabilizar suas eleições; como chegam e conseguem apoio dos partidos; e o impacto da Lei de Cotas.

A pesquisa acompanhou também o horário eleitoral – para saber quais candidatos e candidatas apareceram e quais não e como apareceram – e os blogs das candidaturas. “Queremos avaliar qual é o peso e como as candidatas mulheres recorrem a essas estruturas”, afirmou Clara Araújo. Para isso, foi acompanhado o horário eleitoral de 20 Estados.

Já em relação aos blogs, a socióloga explicou que foram analisados os blogs de governadores e senadores de ambos os sexos com um mínimo de 5% de probabilidade de votos; e 200 candidatos (100 homens e 100 mulheres) à Câmara de deputados. “Aplicamos também um questionário, que ainda está em andamento, pois estrategicamente só começamos após as eleições.”

As candidatas mulheres, de acordo com Clara Araújo, utilizaram menos blogs do que os homens e, em seus blogs, apareceram menos associadas a pessoas de peso político. “Os homens exploraram mais a imagem do presidente Lula ou de governadores de peso em seus blogs do que as mulheres”, exemplificou Clara Araújo.

Em relação aos partidos políticos, a socióloga explicou que o objetivo da pesquisa foi entender quais são as lógicas do recrutamento político para definir os candidatos e candidatas de 2010 e identificar como as mulheres se situaram nessas regras. Para isso, foi feita uma comparação entre dois Estados, Rio de Janeiro e Ceará, em que foram entrevistados dirigentes centrais de 14 partidos no Rio e de 12 no Ceará.

Clara Araújo enfatizou ainda a importância da multidimensionalidade da pesquisa, ou seja, a necessidade de um olhar não unilateral, que leva em consideração tanto as instituições como os aspectos sociais e culturais. “Procuramos não abandonar a dimensão institucional, que caracteriza todas as análises sobre o processo político, mas também não focar somente no aspecto sociocultural – machismo dos homens e dos partidos. Isso já se mostrou superficial, como também não é suficiente se basear somente na análise da tradição da Ciência Política dura, que olha só a dimensão das instituições, e desprezar valores e cultura.” 

Resultados quantitativos e qualitativos

Embora a íntegra da pesquisa será apresentada somente em março de 2010, foi possível adiantar alguns dados. Para os governos estaduais, houve 63 candidaturas e apenas 18 mulheres candidatas – 11%. Para o Senado federal, 241 candidatos, sendo 32 mulheres ou 13,3%, índice que caiu em relação às eleições de 2006, quando foram 35 candidatas ou 16%. Já para a Câmara dos Deputados, somente 225 mulheres se candidataram.

Quanto às impugnações, foram 28,8% de todas as candidaturas femininas apresentadas, enquanto somente 13% das candidaturas de homens. “Isso se deve ao fato de alguns partidos lançarem mulheres somente para alcançar a cota, sem cumprir todas as exigências legais”, avaliou Clara Araújo.

Outro dado constatado é que as mulheres que chegaram ao poder são, na maioria, solteiras ou separadas. “Casamento mostrou-se um péssimo negócio para mulher que deseja fazer política.” A professora da UERJ ressaltou, em seguida, a importância de a pesquisa ter amplitude nacional e mostrar, com isso, a realidade de todo o país.

Alguns resultados qualitativos apontados pela pesquisadora: “Os homens se valem mais da trajetória partidária e sindical”; “Cargos eletivos e não eletivos têm peso, ou seja, pessoas com peso político familiar ou com visibilidade, em espaços institucionais ou não, têm maior porcentual e chance de concorrer e, sobretudo, de ganhar. Participar de uma secretaria de Estado ou de município e ser gestora com visibilidade passam a ser capital político importante.”

A pesquisa mostrou também que a chance de uma deputada estadual se eleger é 23 vezes maior do que a de outras candidatas; e de uma deputada federal, 16 vezes. “Portanto, estar no Congresso é fundamental para o sucesso da carreira política”, concluiu Clara Araújo. 

Conteúdo das campanhas

As candidatas mulheres têm a tendência de tratar de temas relevantes da vida cotidiana – educação, saúde, transporte – e falar menos de temas considerados hardcore, como economia, alianças partidárias etc., mais explorados pelos homens.

Quanto à competitividade, o voto das mulheres está mais disperso e menos concentrado, ou seja, em uma lista de dez candidatas de um partido, duas delas recebem 80% do total de votos em mulheres candidatas e as oito restantes, somente 10%. “Um exemplo mais radical: nas eleições de 2006, em Pernambuco, Ana Arraes teve 90% dos votos das cinco mulheres candidatas. Os partidos, portanto, investem e lançam as mulheres com mais competitividade e com maior chance de conseguir votos”, afirma Clara Araújo. Isso não ocorre entre os candidatos homens, cujos votos são melhor distribuídos; há, portanto, maior possibilidade de competitividade entre eles. “A probabilidade de uma mulher ser eleita está mais associada ao potencial de votos que essa mulher tem, independentemente do partido, ou seja, dos votos que irá trazer para o partido, do que ao número de mulheres que são lançadas e eleitas em um determinado partido. Isso vale para homens e mulheres, mas muito mais para mulheres”, explica.  

Recursos financeiros

A cientista política Teresa Sacchet analisa, no Consórcio Bertha Lutz, a dimensão do financiamento das campanhas e a diferença de distribuição de dinheiro entre candidatos homens e candidatas mulheres. No Seminário A Mulher e a Mídia 7, ela apontou a relação entre financiamento das campanhas em 2010 e sucesso eleitoral na perspectiva de gênero. Pesquisadora do Núcleo de Pesquisa de Políticas Públicas da USP, Teresa Sacchet revelou que o maior constrangimento para as candidatas mulheres durante a campanha é o fator financeiro. “Todas reclamam que são discriminadas pelos partidos no momento da divisão do financiamento. Como as mulheres têm menos história política do que os homens, o dinheiro para elas é ainda mais importante. Para ter as mesmas chances de sucesso, elas precisam gastar mais. Sem dinheiro, não vamos conseguir fazer com que mais mulheres vençam as eleições”. A cientista política, que trabalhou no Consórcio em parceria com o cientista político alemão Bruno Speck, da Unicamp, ressaltou também o problema do Caixa 2 nas campanhas. “Há uma relação grande entre Caixa 1 e Caixa 2. Quem tem mais Caixa 1, dinheiro oficial, é quem faz mais Caixa 2”.

Teresa Sacchet recordou que, enquanto nas décadas de 60 e 70 a discussão era se as mulheres deveriam ou não participar das instituições políticas, hoje há um grande consenso entre as mulheres dos movimentos sociais e das instituições sobre a importância da participação nos processos de tomadas de decisão política. “A 4ª Conferência Mundial sobre a Mulher das Nações Unidas, realizada em Pequim, em 1995, estabeleceu uma relação forte entre igualdade política e igualdade social.”

O Brasil, no entanto, caminha na contramão do consenso mundial, com a posição vergonhosa de 8,8% de mulheres no poder. Para Teresa Sacchet, apesar de fatores culturais e socioeconômicos contribuírem, a questão institucional – o sistema eleitoral vigente – é o fator fundamental para esse atraso. “Não adianta aumentar as cotas sem dar condições para as mulheres participarem e competirem em nível de igualdade com os homens”, defende ela. E aponta uma solução: “Precisamos de um sistema eleitoral com lista fechada, que garanta a colocação das mulheres na lista na mesma proporção das cotas. Como nosso sistema é de representação eleitoral com listas abertas, há uma grande individualização das campanhas. Dito de maneira muito simples: quem tem dinheiro, se elege; quem não tem, não se elege. Ouvi muitas reclamações das candidatas: ‘Eles passam com carro de som, com cesta básica, e nós não temos dinheiro nem para fazer santinho’.” 

Impacto da desigualdade financeira

Os resultados eleitorais de 2010 mostram o quanto as mulheres foram desfavorecidas. E pior: em todos os cargos políticos, houve uma regressão em relação às eleições de 2006. “Quanto maior os gastos nas eleições, menor a distribuição entre homens e mulheres. Nosso futuro é nebuloso, estamos regredindo em relação ao avanço mundial de aumento das mulheres na política”, alertou Teresa Sacchet.

Em 2006, de todos os recursos gastos com candidatos e candidatas para deputado/a estadual, 45,8% dos recursos foram para mulheres e 54,2% para homens. Já para deputado/a federal, 35,3% dos recursos para as mulheres e 64,7% para os homens. Em 2010, a diferença do dinheiro gasto para homens e mulheres aumentou ainda mais. Para deputado/a estadual, foram de 34,4% os recursos para mulheres e 65,6% para os homens. Para deputado/a federal, 27,5% para mulheres e 72,5% para os homens. Consequência: para deputada federal, somente 19,1% de candidatas e 8,8% de eleitas. Para deputada estadual, 21% se candidataram e 12,9% se elegeram.

A socióloga Albertina de Oliveira Costa, pesquisadora da Fundação Carlos Chagas e diretora do Instituto Patrícia Galvão, comentou o livro ‘Por um Triz, Memórias de um militante da AP’, de Ricardo Azevedo, que acabara de ler. O autor militou na organização de esquerda revolucionária Ação Popular, de 1968 a 1980, foi do Comitê Central e do Secretariado Nacional da organização clandestina e conviveu com algumas pessoas que se tornaram figuras conhecidas da política nacional. “É impressionante o número de homens citados no livro que hoje são ministros, governadores, deputados federais e estaduais, enquanto que nenhuma das muitas mulheres mencionadas por Ricardo Azevedo fez carreira política”.

A socióloga também destacou o poder da mídia nas eleições. “Muitos candidatos eleitos estão associados à mídia; são proprietários de rádio, de tevê, ou têm alguma associação direta com a mídia. Isso inverte a lógica de que a mulher é eleita na comunidade e não em um espaço maior.” Albertina Costa finalizou a Mesa 3 enfatizando que há duas grandes batalhas pela frente: a luta pela regulação do sistema de mídia e a reforma política. “Duas conquistas fundamentais para um Brasil mais democrático.”
 

Seminário A Mulher e a Mídia 7
Mesa 3 – Campanhas
e candidaturas de mulheres: possibilidades e obstáculos
Rio de Janeiro, 4 de dezembro de 2010
Expositores:
Clara Araújo, socióloga, professora e coordenadora do Núcleo de Estudos sobre Desigualdades Contemporâneas e Relações de Gênero da UERJ.
Teresa Sacchet, cientista política, pesquisadora do Núcleo de Pesquisa de Políticas Públicas da USP.
Debatedora: Albertina de Oliveira Costa, socióloga, pesquisadora da Fundação Carlos Chagas e diretora do Instituto Patrícia Galvão.
Coordenação: Irlyz Alencar Firmo Barreira, professora titular de Sociologia da Universidade Federal do Ceará.

* Patrícia Negrão é jornalista.

** Formado por pesquisadoras/es que atuam na área de análise de gênero e política em universidades, centros acadêmicos e ONGs das diversas regiões do país, o Consórcio Bertha Lutz realiza pesquisa sobre a participação das mulheres no processo eleitoral de 2010. A pesquisa é estruturada em três eixos – Comportamento, percepções e tendências do eleitorado brasileiro; Monitoramento das campanhas e candidaturas; e Monitoramento da mídia jornalística – e conta com apoio da Secretaria de Políticas para as Mulheres.

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