(O Globo) O papo na rede social foi a Mídia Ninja, que deu entrevista ao “Roda viva” representada por Bruno Torturra e Pablo Capilé. Infelizmente, acho que foi desperdiçada uma boa oportunidade de troca de ideias, menos pelos ninjas, diga-se, do que pelos entrevistadores, que insistiam — compreensivelmente, até — em entender de onde vem o dinheiro que financia os ninjas e qual o seu “modelo de negócios”.
Não diminuo a importância desse, digamos, “detalhe” — eu mesma fiquei bastante desapontada quando soube que, por trás do que eu imaginava ser um movimento espontâneo, estavam, pelo menos em parte, grana e estímulo do governo. Não porque seja condenável receber dinheiro público, mas porque não confio em quem se diz independente e autossustentável enquanto, por trás, recebe uma quantia não especificada de recursos que, por serem nossos, deveriam ser bem explicados. As informações que Capilé deu sobre isso, aliás, foram absurdas: o Fora do Eixo, sistema que é a nave-mãe da Mídia Ninja, não trabalha com reais, mas com estalecas, patacas ou algo do gênero. Então tá.
Apesar disso, eu teria de fato preferido uma conversa que fosse mais fundo em métodos de trabalho, escolhas de pauta e, sobretudo, possibilidades de crescimento e multiplicação do modelo ninja de transmissão de notícias, porque o processo é interessante e tem muitas possibilidades.
Ao contrário do que me pareceu ser percepção geral no programa e na própria rede, não vejo o mundo dividido entre “mídia clássica” de um lado e “mídia ninja” de outro, como se a existência do modelo tradicional de jornalismo estivesse ameaçada pela emergência do jornalismo participativo. O modelo tradicional de jornalismo anda abalado pelo desenvolvimento da web, que veio bem antes dos ninjas e que mudou, de forma drástica, a maneira como nos informamos.
Na web, todo cidadão pode ser, em tese, fornecedor de notícias. O mérito da Mídia Ninja é reunir alguns desses cidadãos num projeto comum, oferecendo-lhes o canal para chegar ao público; é juntar debaixo do mesmo teto virtual fabricantes de conteúdo que, antes, se espalhavam pelas mídias sociais, dando-lhes, de quebra, a oportunidade de mostrarem o que veem em tempo real. O protoninja Abraham Zapruder, mais famoso dos cinegrafistas amadores, teria adorado tudo isso.
Pessoalmente, acho que as mídias que convivem num mesmo espaço de tempo se complementam, se influenciam e se transformam a partir desse convívio. Não existem mais — se é que alguma vez existiram — áreas estanques ou impermeáveis no planeta comunicação.
A certa altura do “Roda Viva”, um entrevistador destacou como grande tento da Mídia Ninja ter ido parar no “Jornal Nacional”, que precisou usar imagens do coletivo. Mas claro, ué: todos os jornais do mundo sempre usaram, e continuarão a usar, cada vez mais, imagens de agências de notícias, de gente que ia passando e até mesmo de outras emissoras. A Mídia Ninja é um pouco disso tudo.
Ainda não inventaram, e eu espero que não inventem nunca, emissora capaz de estar em todos os lugares ao mesmo tempo.
Acho que faltou à entrevista, também, a discussão de um ponto fundamental. Não há como negar que a Mídia Ninja tem feito um trabalho dinâmico e valente, e que é em parte graças às suas imagens que as farsas da polícia vêm sendo desmontadas; mas fico com a sensação amarga de que algo está fora do meu campo de compreensão quando vejo os ninjas filmando os jornalistas da mídia tradicional sendo agredidos e enxotados das manifestações sem fazer um só gesto em sua defesa.
Aliás: acho a expulsão da mídia tradicional das manifestações uma demonstração de intolerância insuportável. Não gosta da Record? Mude de canal. Odeia a Globo? Desligue a TV. Não suporta a Band? Não dê declarações a ela se for procurado. Está de bom tamanho. Cabe ao público, em última instância, decidir o que quer ver, ler, ouvir. Achar que “o povo” precisa que manifestantes queimem os carros da reportagem e agridam os jornalistas para “não ser manipulado” é de uma arrogância que beira o fascismo.
Tenho falado muito a respeito disso na internet, porque venho de um tempo em que lutávamos, ao contrário, para ter uma imprensa livre e plural. Trabalhei alguns anos sob censura e não foi bom; visitei países quem têm apenas um ou dois jornais e não gostei.
Alguns jovens tentam me explicar, bondosamente, que as agressões não são contra as pessoas, mas contra as empresas. Sei que a minha idade impede que eu entenda coisas simples como essa, mas relevem, por favor. É que, na minha época, o soco doía na pessoa física que acertava, e não na pessoa jurídica que a empregava.
Acesse o PDF: Mídia Ninja (O Globo, 08/08/2013)