12/07/2012 – Radiodifusão anacrônica, por Francisco Paes de Barros

12 de julho, 2012

(O Estado de S. Paulo) É de conhecimento público que existem concessionários de serviços de radiodifusão que, por contrato de cessão de espaço, “alugam” por um determinado tempo parte ou a totalidade do espaço de suas emissoras por importâncias vultosas. Esses casos não têm nada que ver com as produções independentes.
Se os órgãos competentes exigirem o fim do aluguel de horário na televisão e no rádio, muitos radiodifusores poderão deixar essa atividade, oportunidade em que se abrirão editais para a disputa de tais concessões. Então, o governo federal e o Congresso Nacional, se quiserem, poderão promover a democratização da outorga do serviço de radiodifusão. E, consequentemente, a democratização da informação.
Considero justo que todas as religiões tenham espaço na TV e no rádio para levarem aos fiéis a sua mensagem e seus serviços. Entretanto, observa-se que os programas religiosos estão avançando de modo exagerado e podem tomar conta da televisão aberta e do rádio. Situação que deixa o ouvinte ou o telespectador sem opções: ele é levado a aumentar ainda mais a audiência das emissoras pertencentes aos grandes grupos de comunicação.
Os empresários desses grupos estão felizes com a audiência de suas emissoras (novelas, programas policiais e de esporte). A distribuição das fatias do bolo publicitário (verba) é muito bem recebida por todos eles. As emissoras religiosas e os programas religiosos pagos formaram involuntariamente uma reserva de mercado para as emissoras de rádio e televisão que dependem única e exclusivamente da sua audiência e do mercado publicitário.
Existe uma estreita simbiose entre ouvinte/telespectador, anunciante/agência e essas emissoras. As suas opiniões refletem o pensamento, os interesses e a realidade de um segmento da sociedade e acabam influindo na formação da opinião pública.
É importante, todavia, que se diga que a liberdade de expressão não é um bem exclusivo das emissoras dos grandes grupos, nem de seus ouvintes que formam essa simbiose. A liberdade de expressão não tem dono, é um bem comum de todos os cidadãos. Um direito inalienável.
Aos mais pobres cabe o direito de ouvir todas as opiniões e de conhecer todos os fatos, principalmente os que lhes interessam. Daí a necessidade de a informação ser democratizada. Para tanto é preciso promover uma ampla reforma na outorga de concessões capaz de sustentar uma visão universalista e democrática.
O ex-presidente Lula e o PT, que tanto falaram em liberdade de expressão, não promoveram a democratização da outorga de concessões de serviços de radiodifusão, que teria dado expressivo impulso à democratização da informação. É preciso, com urgência, mudar o critério atual de concessão, pois ele consiste em dar mais a quem já tem demais.
É preciso que o governo federal e o Congresso examinem o assunto com total isenção política e religiosa. O que me inquieta, contudo, é que a política conhecida como “é dando que se recebe” tem estado presente no noticiário da mídia, que comenta as relações entre esses dois Poderes (governabilidade). Muitos deputados e senadores são donos de emissoras de rádio e de televisão. E, se eles quiserem, podem, fora do período eleitoral, ceder parte ou a totalidade dos espaços de suas emissoras a grupos religiosos.
Não se pode deixar de registrar que a “cessão de espaço” a grupos religiosos ocorre em muitas emissoras espalhadas por todos os municípios do Brasil. Hoje grande parte dos meios de comunicação eletrônicos se encontra em poder de políticos e de grupos religiosos. O que me leva a pensar também na possibilidade de os grandes vencedores das eleições de amanhã serem sempre aqueles que detêm o controle do rádio e da televisão.
Não se pode nem pensar que essa gente tenha a solução para todos os problemas dos cidadãos, principalmente dos mais pobres, e queira impor suas convicções sobre a maneira como se deve viver e pensar. É um tipo de fundamentalismo.
No momento em que as profissões de radialista e jornalista estão desaparecendo em consequência do avanço das “igrejas eletrônicas”, a internet anda numa velocidade impressionante. É um contrassenso, porque só a qualidade do conteúdo das programações das emissoras, elaborado por esses profissionais, fará o rádio e a televisão andarem na velocidade da internet. Segundo a definição de Rui Barbosa, jornalista é “ao mesmo tempo um mestre de primeiras letras e um catedrático de democracia em ação, um advogado e um censor, um familiar e um magistrado. (…) Maior responsabilidade, pois, não pode assumir um homem para consigo, para com o próximo, para com Deus”.
Neste momento, é preciso sensibilizar as autoridades, os empresários e a opinião pública sobre a necessidade de tirar a radiodifusão brasileira da situação anacrônica em que se encontra. A atividade de radiodifusão pode correr o risco de se tornar um negócio como outro qualquer. Lembro que a radiodifusão é uma atividade que presta serviço público e de relevante interesse social.
O que as entidades de classe pensam a respeito disso? E o que pensam os brasileiros? Pergunto: a lei que disciplina o serviço de radiodifusão é omissa no que tange à cessão de espaço?
Enquanto o rádio e a televisão estiverem nas mãos de poucos, o povo mais pobre ficará impedido de exercer o direito de conhecer todos os fatos e de ouvir todas as opiniões, principalmente os que lhe interessam.
Espero que o governo federal e o Congresso Nacional acabem mesmo com o aluguel de horário no rádio e na televisão! E que promovam a democratização da informação por meio da democratização da outorga de concessão de serviços de radiodifusão.

Francisco Paes de Barros é diretor-geral da Rádio Capital, foi diretor da Rádio Record, do Sistema Globo de Rádio (SP)

Acesse em pdf: Radiodifusão anacrônica, por Francisco Paes de Barros (O Estado de S. Paulo – 12/07/2012)

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