(O Estado de S. Paulo) “A campanha eleitoral segue normal, as regras do jogo são transparentes, os 135 milhões de eleitores vão votar em outubro sem qualquer pressão, mas o cenário do futuro, para os meios de comunicação, guarda incertezas”, escreve o jornalista José Maria Mayrink. Buscando elucidar essa questão, o Mayrink entrevistou dois estudiosos da comunicação, Eugênio Bucci e Roberto Romano, que analisam a situação da liberdade de expressão no país.
“A vítima é o cidadão, que tem direito à informação”
Para o jornalista Eugênio Bucci, professor da Escola de Comunicações e Artes da USP:
“É possível localizar pontos que embaraçam ou inibem um ambiente de liberdade. Destacaria dois. O primeiro é a existência da censura judicial, o crescimento da censura judicial. A ideia de que uma autoridade do Poder Judiciário pode dizer de antemão que assunto uma publicação jornalística poderá abordar. ou não, em sua pauta é uma ideia autoritária, uma ideia contrária à liberdade de imprensa e de expressão.”
“Outro ponto que suscita preocupação é o crescimento exponencial das verbas públicas em publicidade comercial nos veículos jornalísticos. Desenvolveu-se no Brasil uma simbiose entre o interesse dos governos e o procedimento de mercado de uma série de publicações que produz um mecanismo pelo qual as verbas publicitárias do poder público abastecem as contas da quase totalidade das publicações jornalísticas. Para essas publicações mais frágeis, mais vulneráveis, como rádios e pequenos jornais, produz-se um ambiente, senão de cooptação direta, de constrangimento. Dá-se a dependência do veículo jornalístico em relação à verba pública. Com essa dependência de verbas públicas, a independência editorial sai prejudicada.”
“As empresas públicas de comunicação, como a TV Cultura e a TV Brasil, precisam ter uma visão crítica independente do núcleo dos governos.”
“Eu acredito no que eles estão dizendo. No caso dos candidatos presidenciais, há uma trajetória, na biografia deles todos, de compromisso com a prática da liberdade. Existem excessos, mas são mais arroubos retóricos ou impertinências verbais. Os compromissos que assumiram no congresso da Associação Nacional de Jornais (ANJ) são compromissos sérios, em termos inequívocos. A meu ver, eles dão uma boa margem de segurança para a sociedade.”
“Há uma internacional de governos contra a imprensa”
Para Roberto Romano, professor de Ética e Política da Unicamp:
[Sobre a liberdade de imprensa hoje no Brasil] “É um balanço bastante negativo. Nós temos a ação de governos que não suportam a liberdade de imprensa, partidos que têm aversão ao debate livre e, infelizmente, a novidade da entrada do Poder Judiciário servindo de censor para governos e para poderosos. A judicialização da censura é um dos piores elementos do atual cenário brasileiro nesse item.”
“Estamos assistindo a uma internacional de governos na América do Sul contra a liberdade de imprensa. Além de Hugo Chávez, na Venezuela, temos atitudes marcadas pela hostilidade partindo dos governos do Equador, da Bolívia, da Argentina, do Paraguai e mesmo do brasileiro, todos num concerto para atacar aquilo que chamam de ‘conglomerado da mídia’. É preocupante, porque cada um desses governos reforça a atuação arbitrária do outro. É uma verdadeira internacional da censura.”
“É melhor desconfiar desses discursos de campanha [que os candidatos fazem em defesa da liberdade de imprensa]. Sabemos, desde Maquiavel, que o processo da dissimulação faz parte da conquista do poder político. O que é preciso verificar na campanha não são as palavras, mas os atos.”
[E a população poderia fazer alguma coisa?] “Sim. As ameaças são evidentes e é preciso ter cautela e muita vigilância. E, sobretudo, um controle mais amplo da população sobre os políticos, controle mais marcado sobre os que não se pautam pela ética e não querem a divulgação de seus malfeitos.”
Leia essas entrevistas na íntegra: A imprensa pode sentir-se em perigo? (O Estado de S. Paulo – 13/09/2010)