(Folha de S.Paulo) Faz parte da experiência de todo espectador: tão logo o programa de TV se interrompe para a exibição dos comerciais, o volume do som aumenta consideravelmente. “Consideravelmente”, em verdade, passa até por eufemismo no caso de alguns canais, em particular os dedicados ao público infantil na TV paga.
Um perito judicial, consultado pela Folha em reportagem de 2010, mediu a variação do som em 26 canais. Registrou diferença de até seis decibéis entre a programação normal e o intervalo publicitário. Isso equivale a um aumento de quase quatro vezes no volume do som.
É de duvidar, embora possa ter eficácia com os mais impressionáveis e desatentos, que tática tão primitiva de vendagem resulte em benefício real para o anunciante.
No mínimo, o consumidor deveria sentir-se agredido por tamanho estrépito; com o tempo, a tecla “mudo” no controle remoto acabaria incorporada como sua arma de vingança particular, em protesto e apelo tácito por formas mais diplomáticas de persuasão.
A passagem do tempo não conseguiu, todavia, diminuir a balbúrdia no ambiente televisivo.
Desde maio de 2001, a legislação federal impede a variação dos decibéis. Previa-se que o Executivo editasse, no prazo de 120 dias, as regras de aplicação e fiscalização da nova lei.
Intervieram então dois fatores muito conhecidos do público brasileiro: uma outra algaravia, a burocrática, e uma velha surdez, a das autoridades perante os interesses do consumidor.
A regulamentação simplesmente não veio. Nove anos depois da promulgação da lei, o Ministério Público Federal de São Paulo ingressou na Justiça com uma ação pleiteando a aplicação da lei. Passados dois anos, a causa foi julgada favoravelmente -em primeira instância, somente.
As incertezas prosseguem. Não se sabe se cumpre à Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações) ou à União a tarefa de fiscalizar os abusos auditivos na TV.
Tudo seria mais fácil, sem dúvida, se o espírito da autorregulação publicitária prevalecesse no caso. Respeitamos a lei, e iremos cumpri-la: é o que declara, com algum paradoxo, a assessoria da Cartoon Network, um dos canais que em 2010 variava em cinco decibéis o volume de suas emissões.
Seria bom se o consumidor fosse respeitado sem a necessidade do recurso a lei específica. Mas, sem dúvida, os interesses comerciais falam mais alto nos gabinetes do poder e impedem que sua voz, ainda tênue, seja ouvida como merece.
Acesse em pdf: Barulho na TV, editorial (Folha de S.Paulo – 17/03/2012)