(Folha de S.Paulo) Encontro de ombudsmans discute escândalo inglês e autorregulação da mídia
EM UMA Copenhague inesperadamente quente, 40 ombudsmans, de 21 países, discutiram, na última semana, o tema fervilhante da imprensa no momento: o escândalo envolvendo o império Murdoch no Reino Unido e suas consequências para a liberdade de expressão.
Como bem definiu Stephen Pritchard, ombudsman do “Observer”, a história tem todos os ingredientes de um best-seller: crime, celebridades, sexo, espionagem, desonra.
Para ombudsmans, é irresistível: um drama sobre a imprensa, revelado pela própria imprensa. Sumana Ramanan, ombudsman de um jornal de Mumbai (Índia), contou que a Redação parou para assistir ao depoimento do magnata Rupert Murdoch, que foi considerado “incapaz” de controlar uma corporação de mídia. “Foi fascinante ver um homem tão poderoso ter que se explicar”, disse.
Nos últimos meses, as investigações britânicas revelaram métodos de trabalho criminosos dos tabloides, especialmente o “News of the World”, que vendia 2,7 milhões de exemplares e acabou sendo fechado em julho do ano passado.
Seus repórteres faziam grampos ilegais, chantageavam entrevistados, subornavam policiais. Ficou clara também a proximidade de políticos do governo com Murdoch.
O escândalo veio à tona graças ao “Guardian”, o que serve de argumento aos que acham que cabe à mídia controlar a própria mídia.
As investigações, porém, mostraram que jornais tradicionais também usaram métodos discutíveis, como pagar a um detetive particular, que vendeu informações pessoais (Imposto de Renda, histórico médico, extratos bancários) a 305 jornalistas, de mais de 30 publicações.
“Vamos deixar claro que não é só um problema de grampos ilegais. Não é só o ‘News of the World’. Estamos falando de uma cultura de práticas corruptas e amorais em várias Redações britânicas, especialmente dos tabloides, mas não apenas deles”, disse Steven Barnett, professor da Universidade de Westminster.
O inquérito Leveson, como está sendo chamado o processo por causa do lorde que o comanda, tem provocado um intenso debate sobre autorregulação da mídia. No Reino Unido, o conselho encarregado de investigar queixas sobre a imprensa (“Press Complaints Commission”) mostrou-se incapaz dessa tarefa -há anos, denúncias sobre más práticas vinham sendo arquivadas ou ignoradas.
A imprensa britânica é muito diferente da nossa. A começar pela competição, que é feroz -são dez jornais nacionais disputando terreno, o que torna mais tentador desobedecer a regras.
Além disso, a família real é um incentivo a mais para a cobertura de celebridades, que não é tão suave como a nossa. E há a presença forte do barão internacional da mídia Rupert Murdoch, que não tem equivalente nas nossas terras.
Aqui uma discussão sobre os limites éticos da imprensa ameaçou começar com o caso Cachoeira, mas logo descambou para um bate-boca político-ideológico.
No Brasil, os principais órgãos de comunicação são contra qualquer proposta de conselho jornalístico, principalmente se houver participação do governo. É compreensível.
Ao mesmo tempo, porém, pouquíssimos levam a sério a necessidade de transparência, imparcialidade, precisão e de “prestar contas” do que se faz.
Quantos têm um código de ética de conhecimento do público? Quantos admitem seus erros e abrem espaço generoso ao “outro lado”?
De tantas iniciativas copiadas da Folha, por que justamente o ombudsman não pegou? Até onde se sabe, são apenas três (a Folha, “O Povo” e a “TV Brasil”). Em alguns países, como a Colômbia e Portugal, leis exigem que as televisões, por serem concessões, tenham a figura do defensor do espectador.
Se nas democracias recentes, como a nossa, o melhor é deixar os braços do Estado longe da mídia, cabe a ela mostrar que merece a confiança do seu público.
Acesse em pdf: No reino da Dinamarca, por Suzana Singer, ombudsman (Folha de S.Paulo – 27/05/2012)
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