O que muda na comunicação público-estatal com Temer na Presidência

04 de setembro, 2016

Medida extingue pequena autonomia que a empresa tinha em relação ao Planalto; para ex-presidente da Radiobrás, mudança não tem grande efeito prático, mas indica revés para a comunicação pública

(Nexo, 04/09/2016 – acesse no site de origem)

No dia seguinte ao ser confirmado no cargo de presidente da República, Michel Temer editou uma medida provisória para alterar a estrutura da EBC (Empresa Brasil de Comunicação). A mudança extinguiu a pequena autonomia que a empresa tinha em relação ao Palácio do Planalto.

O conselho curador, composto por 22 membros, dos quais 15 da sociedade civil, responsável por deliberar sobre a linha editorial da empresa, foi extinto. E o cargo de diretor-presidente da EBC não tem mais mandato de quatro anos — pode ser nomeado ou exonerado a qualquer momento pelo presidente da República.

A EBC foi criada em 2007, no governo de Luiz Inácio Lula da Silva, para prestar serviços de comunicação pública. Ela englobou a antiga Radiobrás, a agência de notícias Agência Brasil, a TVE do Rio de Janeiro, oito emissoras de rádio AM e FM e a então recém-fundada TV Brasil. A EBC, contudo, nunca alcançou o objetivo de ser uma “BBC brasileira”, desvinculada do governo de ocasião.

A Constituição Federal estabelece, no seu artigo 223, que o serviço de radiodifusão (rádio e televisão) deve ser provido de forma complementar pelos sistemas privado, estatal e público. Entenda a diferença entre os três:

Sistemas de radiodifusão

PRIVADO

São os canais comerciais, como Globo e Record, na televisão, e CBN e Jovem Pan, no rádio, que têm como objetivo o lucro. Essas emissoras ganham concessões da União para utilizar, durante um período determinado, parte do espectro eletromagnético (o espaço por onde transitam as ondas que transmitem sons, imagens e dados) para veicular programas e publicidade.

ESTATAL

São canais destinados a servir de veículo oficial de poderes constituídos. A NBR é a emissora de televisão do governo federal, por exemplo. Ela tem o objetivo de divulgar as ações do Palácio do Planalto. A TV Justiça também é uma emissora estatal, vinculada ao Supremo Tribunal Federal, assim como a TV Câmara e a TV Senado.

PÚBLICO

São emissoras vinculadas ao poder público, mas não estão subordinadas ao governante nem têm como objetivo divulgar ações oficiais. Seu propósito é informar a população e apresentar uma programação de qualidade, que estimule a difusão cultural e a formação crítica da população, sem a necessidade de alcançar o lucro. No mundo, o melhor exemplo de empresa pública de comunicação é a BBC, financiada com dinheiro de impostos pagos pelos britânicos, mas não subordinada ao governo local.

A EBC entre o estatal e o público

A Radiobrás, antecessora da EBC, foi criada em 1975 como uma empresa de comunicação estatal, quando o país era submetido a um regime militar, presidido pelo general Ernesto Geisel. A Radiobrás era a responsável por divulgar as ações do governo e produzir a Voz do Brasil, transmitida obrigatoriamente pelas rádios do país.

Em 2003, o então presidente Luiz Inácio Lula da Silva nomeou o jornalista Eugênio Bucci para presidir a Radiobrás. Um dos seus objetivos foi transformar a agência de notícias da Radiobrás, chamada Agência Brasil, em um veículo mais próximo da comunicação pública do que da comunicação estatal. Houve resistência de setores do próprio governo, que entendiam que a Agência Brasil deveria servir aos interesses do Planalto.

Quatro anos depois, já no segundo mandato Lula, foi criada a EBC. A ambição inicial da nova empresa era ser uma BBC brasileira, para “criar e difundir conteúdos que contribuam para a formação crítica das pessoas”. Seu modelo jurídico, contudo, a deixou ligada ao Palácio do Planalto, como uma emissora estatal.

A companhia foi vinculada à Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República. O diretor-presidente, o diretor-geral e os membros do Conselho de Administração são indicados pelo presidente da República. Em junho, o atual ministro da Secretaria de Governo, Geddel Vieira Lima, afirmou ao jornal “O Globo” que a EBC se tornara um “cabide de emprego” e “foco de militância” do PT.

Havia dois mecanismos que tentavam dar um pouco de independência à EBC em relação ao governo: o diretor-presidente tinha um mandato de quatro anos e a empresa contava com um conselho curador, a quem cabia deliberar sobre a linha editorial, composto por 22 membros, dos quais 15 da sociedade civil — todos nomeados pelo presidente da República.

Na medida provisória publicada nesta sexta-feira (2), o presidente Michel Temer extingue o conselho curador da EBC e o mandato de quatro anos do diretor-presidente. A empresa também deixa de ser vinculada à Secretaria de Comunicação e passa a se subordinar à Casa Civil. O dispositivo já entrou em vigor, mas precisa ser aprovado pelo Congresso em até 120 dias — caso contrário, expira e deixa de produzir efeito.

‘Marcha à ré’

Eugênio Bucci, presidente da Radiobrás de 2003 a 2007, afirmou ao Nexo que a medida provisória sobre a EBC não representa uma mudança “tão grande” no modelo da empresa, mas indica um retrocesso na tentativa de construir uma empresa de comunicação pública. “É uma inversão de sentido. A coisa estava indo para um lado, e agora vai de marcha à ré. Recupera traços estruturais da velha Radiobrás”, diz.

Ele ressalta que o governo de Lula e Dilma também “compreendeu muito mal” o que era necessário para construir uma emissora pública. Para Bucci, as mudanças introduzidas por Temer farão com que a EBC siga enquadrada como uma empresa de comunicação estatal. “Eu diria que [agora] ela fará uma cobertura chapa branca mais ‘old fashioned’, com cara dos anos 50. Continuará o vetor político, mas com uma plástica mais antigona”, diz.

A ONG Artigo 19, que atua na área de liberdade de expressão e acesso à informação, divulgou nota contra as mudanças. Para a entidade, a medida provisória “afronta os princípios democráticos do pluralismo e da diversidade na mídia”. A associação Intervozes, que defende o direito à comunicação, também se manifestou contra a iniciativa de Temer e pediu a revogação da medida provisória.

Quem preside a EBC

O comando da EBC já havia sido alvo de polêmica em maio, no início do governo Temer, ainda na interinidade. O peemedebista demitiu o então presidente da empresa, Ricardo Melo, e nomeou Laerte Rimoli para a função, apesar de a lei garantir um mandato de quatro anos para esse cargo. O episódio foi levado ao Supremo Tribunal Federal, que, em decisão liminar (provisória), restituiu Melo ao cargo.

Nesta sexta-feira (2), um ato publicado pela manhã no Diário Oficial nomeava novamente Laerte Rimoli para o cargo. À tarde, contudo, o governo tornou sem efeito a nomeação, mantendo Melo no comando da EBC, até que o Supremo se manifeste sobre o tema.

EBC em números

A empresa tem 1.605 funcionários na produção de conteúdo e de programação e outros 995 atuando em outras áreas. A sede fica em Brasília e há sucursais em São Paulo (SP), Rio de Janeiro (RJ), São Luís (MA) e Tabatinga (AM).

O Orçamento de 2015 destinou R$ 732 milhões para a EBC, dos quais R$ 575 milhões oriundos do Tesouro Nacional. Os demais R$ 157 milhões são arrecadados pela EBC em serviços prestados, em sua maioria ao próprio governo, como clipping de notícias e transmissões para a TV estatal NBR.

As reportagens e imagens produzidas pela Agência Brasil e os áudios da Radioagência são reproduzidos em veículos de todo o país, mas a TV Brasil tem uma audiência baixa. Segundo dados do Ibope divulgados pelo portal “UOL”, ela registrou em fevereiro 0,14 ponto do Ibope, ficando em 41º lugar na audiência.

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