O comercial para TV da campanha Devassa Bem Loura foi retirado do ar pelo Conar (Conselho de Autorregulamentação Publicitária). Após receber denúncias da Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres (SPM) e de consumidores, o Conar abriu três processos éticos contra a campanha de lançamento da cerveja Devassa, do Grupo Schincariol.
A liminar que tira o anúncio temporariamente do ar – além de algumas peças da campanha – atende ao pedido do relator do processo, que não teve seu nome revelado.
O recurso da Schincariol será discutido na reunião do Conselho de Ética do Conar, sendo que a retirada do anúncio do ar pode ser suspensa pelos conselheiros. Segundo matéria de O Estado de S.Paulo, a polêmica sobre a propaganda está sendo amplamente discutida em blogs e no Twitter e o filme da campanha no YouTube já teve mais de 420 mil acessos.
No spot de TV que a agência Mood preparou para a campanha, a modelo e socialite norte-americana Paris Hilton faz poses sensuais na varanda de um apartamento enquanto pega uma lata de cerveja Devassa.
No primeiro processo, aberto a partir da denúncia da SPM será discutido se a campanha é sexista e desrespeitosa com as mulheres. Um outro processo vai avaliar se o comercial faz um apelo exagerado à sensualidade, contrariando o código de autorregulamentação publicitária aprovado pelo Conar, que condena o apelo erótico e o tratamento de modelos como objeto sexual em propagandas de cervejas e vinhos.
O terceiro processo partiu do próprio Conar e questionar a promoção realizada na internet em que a cervejaria oferece um prêmio de R$ 3.000 ao criador do melhor samba tocado em caixa de fósforos. O código proíbe qualquer sugestão que induzam as pessoas a consumir álcool em excesso.
Procurada pela reportagem da Folha de S.Paulo, a Schincariol não quis comentar os processo e declarou que ainda não havia sido notificada.
O Conar pode solicitar a retirada imediata da campanha por meio de liminar ou convocar seus conselheiros em até 40 dias para avaliar o caso.
Leia a notícia dos jornais O Estado de S.Paulo (02/03/2010) e da Folha de S.Paulo (25/02/2010) em pdf
A campanha Devassa Bem Loura
A cerveja faz parte da “família Devassa”, cujas integrantes são as cervejas loura, ruiva, negra, índia e sarará, “cheias de segundas intenções”. Como afirma o site da campanha [que saiu do ar após a decisão do Conar]: “Devassa é bem alegre, tem aquele astral que atrai coisas boas, pessoas interessantes e papos divertidos. Pedir uma Devassa tem a dose certa de segundas intenções”.
Segundo declarou o diretor de marketing da empresa, Luiz Claudio Taya, em matéria publicada pelo jornal O Estado de S.Paulo, foram destinados R$ 100 milhões para o lançamento da cerveja, que tem uma estratégia de marketing agressiva. Taya adiantou que outras louras serão convidadas a entrar nas campanhas da nova marca.
Acesse a íntegra da notícia divulgada pelo jornal O Estado de S.Paulo – 11/02/2010
O impacto nefasto da publicidade discriminatória sobre as novas gerações
No artigo “A explícita coisificação da mulher na publicidade e seu impacto sobre as novas gerações”, Jacira Vieira de Melo, diretora executiva do Instituto Patrícia Galvão alerta para o poder que esse tipo de propaganda estereotipada e discriminatória exerce sobre a construção do imaginário dos jovens e aponta a necessidade de se revisar o modelo de autorregulamentação da publicidade (Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária).
“Ao reforçar estereótipos negativos da figura feminina – a representação da mulher na propaganda de cerveja opera no plano de uma ‘mulher símbolo’, uma ‘mulher ideal’, uma ‘mulher ilusão’, uma ‘mulher sensual’ a serviço dos desejos masculinos –, os fabricantes de cerveja promovem um efeito pedagógico altamente negativo sobre garotos e garotas. Essa representação feminina remete à coisificação e à submissão.
Essa repercussão sobre os jovens talvez seja o efeito mais nefasto de campanhas como as da ‘Devassa’, de ‘A Boa’ e da ‘Musa do Verão’, entre outras. Trata-se de um público que ainda está construindo uma visão crítica e sua capacidade para fazer escolhas, sendo facilmente seduzível pelos apelos desse tipo de propaganda que, apreendida fora de um contexto crítico, será percebida e absorvida como ‘lúdica, divertida, interessante e ideal’.”
Jacira Melo declara que campanhas como a da Devassa alerta para a necessária revisão do sistema de autorregulamentação da publicidade, idealizado por anunciantes e agências de publicidade. Segundo Jacira, “este modelo há muito se revelou insuficiente e ineficiente, em especial no Brasil, onde 91% dos jovens assistem à TV durante o tempo livre. Segundo pesquisa realizada em 2008 pela Cultura Data, ‘é especialmente nos tempos livres e nos lazeres que os jovens constroem suas próprias normas e expressões culturais, ritos, simbologias e modos de ser que os diferenciam do mundo adulto (…) lazer pode ser espaço de aprendizagem das relações sociais em contexto de liberdade de experimentação’.”
Para a diretora do Instituto Patricia Galvão, é preciso ter especial atenção para propagandas como essa, que operam na contramão dos esforços da sociedade para a promoção de padrões éticos de civilidade e respeito entre homens e mulheres.
Leia a íntegra do artigo de Jacira Melo
A devassa da devassa
“Suspensão de propaganda de cerveja estrelada por Paris Hilton escancara os limites do “politicamente correto” e aponta para o desgaste do erotismo na sociedade atual”. Em artigo publicado no suplemento Mais! do jornal Folha de S.Paulo, o professor de ética e filosofia da Universidade de São Paulo Renato Janine Ribeiro comenta a retirada pelo Conar da propaganda da cerveja Devassa.
Acesse o artigo na íntegra: Folha de S.Paulo – 07/03/2010
Anúncio põe em xeque autorregulamentação publicitária
No blog sobre “saúde pública e privada”, a repórter Fabiane Leite, da editoria Vida& de O Estado de S. Paulo, escreve:
“Balanço pós Carnaval: cerveja, cerveja e cerveja na TV e um ‘olé’ na autorregulamentação das propagandas da bebida. Defendida por anunciantes e agências de publicidade como a solução ideal para conter os estímulos ao consumo abusivo de álcool em qualquer época – e evitar restrições do governo às propagandas de cervejas – a autorregulamentação foi rasgada por Paris Hilton.”
Em seguida, Fabiane Leite cita o Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária, aprovado pelo Conar, que em seu anexo P, item 3 – Princípios do consumo com responsabilidade social, traz as seguintes determinações: “a) eventuais apelos à sensualidade não constituirão o principal conteúdo da mensagem; modelos publicitários jamais serão tratados como objeto sexual; (…) c) não serão utilizadas imagens, linguagem ou argumentos que sugiram ser o consumo do produto sinal de maturidade ou que ele contribua para maior coragem pessoal, êxito profissional ou social, ou que proporcione ao consumidor maior poder de sedução”.
Leia o texto postado no blog Núcleo de Saúde, de Fabiane Leite – 19/02/2010
Em 02/03/2010, a jornalista Fabiane Leite postou em seu blog a seguinte nota:
“A decisão final do Conar saiu ontem, determinando a imediata retirada do anúncio. A fabricante da cerveja promete cumprir. O órgão divulgou que agiu principalmente impulsionado pela Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres, mas sua própria diretoria estava incomodada porque, como informei, o anúncio colidiria com a autorregulamentação que surgiu para evitar restrições governamentais à propaganda da bebida.”
Indicação de fontes:
Jacira Melo – mestre em ciência da comunicação e diretora executiva
Instituto Patrícia Galvão – Comunicação e Mídia
São Paulo/SP
Fala sobre: imagem da mulher na publicidade; direito à comunicação; direitos das mulheres
Rachel Moreno – psicóloga
Observatório da Mulher e Articulação Mulher e Mídia
São Paulo/SP
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