(Agência Patrícia Galvão) A sociedade civil está se reapropriando do conceito da liberdade de expressão, que vinha sendo perdido para os empresários dos meios de comunicação.
Não é mais tão simples regular a promoção e garantia desse direito como antes, nesta sociedade do conhecimento. Há uma profusão de questões que se colocam no guarda chuva “liberdade de expressão”, que no sistema da ONU vai muito além da mídia.
A liberdade de expressão não é a mesma coisa que liberdade de imprensa. Esta última não está inscrita nos direitos humanos da mesma forma. Precisamos fazer essa diferença. Uma decorre da outra.
Os papéis que a mídia pode e deve desempenhar nos regimes democráticos, inclusive o de colaborar para o respeito aos direitos humanos, dentre eles o respeito à diversidade e o estímulo ao pluralismo, não decorrem exclusivamente da garantia de uma mídia livre de pressões governamentais de quaisquer ordens. É condição necessária, mas não é suficiente. É preciso ir além.
O Artigo 19 da Declaração Universal dos Direitos Humanos define liberdade de expressão como o direito de também procurar, receber e transmitir informações. Ou seja, o direito de quem está buscando informações também é protegido. Por isso que as informações produzidas pelo Estado devem ser consideradas neste debate.
A Declaração Universal dos Direitos Humanos ganha força jurídica através do Pacto de Direitos Civil e Políticos. E num artigo do Pacto que estão as restrições à liberdade de expressão que o Sistema ONU aceita. Mas o centro do debate não deve ser esse. Hoje o debate está muito concentrada no que não se deve fazer. Mas devemos concentrar o debate no que se deve fazer para ampliar a liberdade de expressão e não reduzi-la.
Quando falamos de diferentes plataformas midiáticas, há níveis diferentes de proteção e constituição do marco regulatório. É um equívoco colocar tudo no mesmo balaio de gato.
Há diferentes papéis e diferentes estratégias. Diferentes conteúdos geram diferentes regulações: jornalismo é mais protegido da regulação do que o conteúdo artístico, que é mais protegido do que a publicidade.
Os pontos centrais de uma regulação:
– regulação que coíbe a concentração da propriedade na mídia e estimula a pluralidade de players no mercado midiático.
– regulação que protege os direitos de crianças e adolescentes, inclusive porque a Convenção Internacional dos Direitos das Crianças e Adolescentes é a mais ratificada do Sistema ONU.
– complementaridade entre os sistemas.
– proteção do multilinguismo.
Alguns elementos internacionais e regionais de promoção da liberdade de expressão:
– Declaração do Conselho de Ministros da Europa, de 31 de janeiro de 2007, que trata dos desafios contemporâneos dessa agenda.
– Diretiva “Serviços de Comunicação Social Audiovisual sem Fronteiras”, da União Européia e do Conselho Europeu, de 11 de dezembro de 2007. O documento traz um mínimo denominador comum dos Estados membros sobre o tema.
– Pacto de San José da Costa Rica, que em seu Artigo 13 trata da questão da liberdade de expressão.
Por fim, destacamos o que podem ser consideradas as maiores encrencas deste debate sobre a regulação na mídia no Brasil:
– a concentração da propriedade: vivemos num país de alta concentração da mídia. Deve haver na proposta do governo para tratar desta questão. Uma coisa é fazer uma regulação do setor numa mídia nascente, outra é fazer com uma mídia consolidada. É preciso debater como encontrar as regras de transição, não desconsiderando toda a situação que já existe.
– a complementaridade entre os sistemas: como operacionalizar uma mídia pública realmente pública e não governamental. Na América Latina, o sistema de mídia é muito diferente do que nos países onde ela nasceu pública (majoritariamente privada). E a tentação dos governos que financiam as mídias públicas é grande. Encontrar este modelo de mídia pública não será simples. Essa é uma variável fundamental da equação. Se não conseguirmos ter uma mídia pública minimamente forte no Brasil, o sistema não será equilibrado, porque há coisas que não dá para exigir da mídia privada.
– o papel do Congresso nas concessões: quando se diz que a autorização de 20 mil rádios comunitárias tem que passar pelo Congresso, isso é impraticável do ponto de vista da lógica da democracia. Com a digitalização, você teria mais espectro e mais concessões. Então seria preciso tirar este processo do Conselho, o que não será fácil, porque é algo previsto na Constituição Federal.
– a sociedade civil historicamente se organiza neste debate em torno da discussão do conteúdo. Em geral, usamos o ponto mais visível da discussão, mas teremos que nos preparar para exigir a prestação de contas do Estado para além do conteúdo. A sociedade precisará ter uma relação de cobrança constante com os órgãos reguladores, o que exige uma preparação que não é trivial. Em geral, as empresas tem condições de facilitar sua relação com as instâncias regulatórios que a sociedade civil não têm.
Assista ao vídeo: Marco Regulatório e Banda Larga
Gulherme Canela – Coordenador da área de comunicação e informação da UNESCO no Brasil