(BBC Brasil) No Clube Lighthouse Cabaret, em Sochi, cidade russa que será sede dos Jogos Olímpicos de Inverno de 2014, a música é bem alta, a fumaça dos cigarros é densa e a pista de dança é cheia de casais gays se divertindo na noite.
O ambiente é descontraído e, pelos sorrisos e trocas de carinho feitas abertamente pelos homossexuais, você pode até imaginar que ser gay na Rússia não é um problema.
Mas um dos donos do clube, Andrei Tanichev, conta uma história bem diferente.
“Existe mais agressão e está ficando mais perigoso nas ruas”, lamenta Andrei.
“Muitos gays mudaram o jeito de se vestir, removendo brincos, mudando o estilo do cabelo, para evitar problemas. Mesmo nos tempos de União Soviética, onde homossexualidade era uma ofensa criminal, os gays eram tratados melhor do que hoje em dia na Rússia. Pessoas comuns nos veem como criminosos. Eles nos odeiam”.
Vídeos da brutalidade
Existem evidências dessa atitude hostil contra gays em vídeos com conteúdo chocante postados online por grupos extremistas. Em um deles, um homem é forçado a beber a própria urina para “curá-lo” da homossexualidade.
Depois, um balde de metal é colocado na sua cabeça, que é violentamente acertada diversas vezes com o que parece ser um bastão de basebol e um cassetete de polícia.
Ataques como esse, filmados e postados online, são produzidos por grupos russos ultranacionalistas. O objetivo dos vídeos seria o de dar nome, envergonhar e punir suspeitos de pedofilia – crime que os ultranacionalistas russos associam aos gays.
Mas o tom dos vídeos é de de ataque homofóbico. Em um outro clipe postado online, uma mulher armada com uma pistola e com roupa de camuflagem brinca que ela está “num safári”, caçando pedófilos e gays. Ela começa atirando para cima em um alvo que seria um “arco-íris”.
O nome da mulher é Yekaterina. A equipe da BBC localizou a mulher em São Petersburgo, onde ela lidera uma unidade local do grupo “Occupy Pedofilia”.
“Nossa prioridade é descobrir casos de pedofilia”, explica Yekaterina.
“Mas também agimos contra a promoção da homossexualidade. E se, no meio do caminho, encontramos pessoas de orientação sexual ‘não-tradicional’, nós podemos matar dois pássaros com uma pedrada só”, ameaça Yekaterina.
Lei controversa
Na Rússia, ativistas de direitos dos gays acreditam que esse tipo de agressão é um resultado direto de uma controversa lei assinada pelo presidente Vladimir Putin em junho deste ano. A legislação bane a divulgação de informações sobre “orientação sexual não-tradicional” para os menores de 18 anos, o que acaba definindo a homossexualidade como uma ameaça para crianças e para a família.
“A lei em si é não uma ameaça no que diz respeito à sua aplicação (prática). Mas é uma grande ameaça no que se refere ao tipo de opiniões que ela forma”, acredita Anastasiya Smirnova, do grupo de direitos humanos Russian LGBT Network.
“Isso dá o poder às pessoas criar as próprias regras para ações organizadas de violência contra àqueles que eles percebem como uma ameaça à sociedade, às famílias e às crianças. Pessoas assumem a função de autoridades para reagir contra o que eles acreditam ser uma violação (da lei)”, ressalta Smirnova.
Moscou foi alvo de grande crítica internacional por causa da lei aprovada por Putin. Até mesmo um movimento em países ocidentais surgiu para boicotar a próxima edição dos jogos olímpicos de inverno em Sochi. As autoridades russas acreditam que isto foi uma reação exagerada em massa. Acima de tudo, eles não baniram a homossexualidade, meramente restringiram a divulgação de informações sobre o tema.
Mas por que a lei foi criada?
Parte do que pode explicar os motivos para a criação da lei se baseia nas ações da igreja ortodoxa russa e do estado para forjar uma identidade nacional baseada em valores conservadores. Assim, não há espaço para nenhum liberalismo ocidental de ideias, sejam sociais, políticas ou sexuais.
“Por que nós devemos respeitar todas as suas tradições se vocês não respeitam as nossas?”, questiona o parlamentar de São Petersburgo, Vitaly Milonov, um dos arquitetos da nova legislação.
“Ações agressivas para aceitação de valores é injusta. Nós não falamos para a rainha da Inglaterra para não assinar a lei de casamentos gays no seu país. Nós não temos o direito de fazer isso, porque nós respeitamos a sua independência. Por que vocês não respeitam a nossa?”, ressalta Milonov.
“Nós não atacamos nenhuma minoria sexual. Eles têm absolutamente os mesmos direitos. Mas eles não deveriam tentar mudar as tradições russas que são apoiadas por 90% da população. Para a população russa tradicional, homossexualidade é pecado”.
De volta ao clube gay em Sochi, o dono Andrei acredita que o debate sobre homossexualidade é desenhado para distrair os russos de outros problemas sociais e para unir o país em apoio ao governo.
“O cidadão russo médio, sentado em casa assistindo TV agora entende contra quem ele precisa lutar, quem é o inimigo”, explica Andrei.
“(O inimigo) são os gays e os países ocidentais que os apoiam. E quanto mais o ocidente apoia os gays na Rússia, mais os russos nos odeiam, porque o conceito mais aceito aqui é o de que o ocidente representa o mal”.
Acesse o PDF: Vídeos com brutalidade inflamam propaganda antigay na Rússia (BBC Brasil, 02/09/2013)