10/03/2013 – A vida sem doméstica no Brasil e em mais quatro países

10 de março, 2013

(Folha de S.Paulo) Número de mulheres dispostas a trabalhar como empregada caiu e o custo das que ficaram subiu; nova legislação trabalhista pode encarecer ainda mais os serviços e aproximar o Brasil da realidade internacional, em que doméstica em casa é artigo de luxo

Como viver e trabalhar fora numa grande cidade sem a ajuda de trabalhadores domésticos? A pergunta ronda brasileiros de classe média que, nos últimos anos, viram as empregadas escassearem e encarecerem -seus rendimentos tiveram o maior avanço dentre as categorias profissionais em 2012. Ainda é pouco comparado a Paris, onde uma faxineira custa até R$ 50… por hora. Em Washington, são R$ 40. Em Buenos Aires, R$ 16. Nas três cidades, só os muito ricos têm empregados fixos. A classe média contrata diaristas e perde em média duas horas por dia cuidando da casa, da comida e da roupa. O tempo dobra se for uma mulher casada e com filhos.

Nos EUA, contratação é por hora e limpeza é superficial

Empresas fazem faxina de 2,5 horas por R$ 199; imigrantes são exploradas

Primeira-dama Michelle Obama diz fazer questão de que suas filhas arrumem a cama e lavem a roupa

LUCIANA COELHO
DE WASHINGTON
Quando voltou ao Brasil em 2011, após mais de meia década no exterior, a consultora em sustentabilidade Helena*, 35, decidiu que teria faxineira três vezes na semana.

Com uma filha de menos de um ano e a agenda do marido, executivo de multinacional, mantendo-o parte do tempo longe da nova casa da família, no Rio, ela achou que “ter ajuda” três vezes por semana, como funcionara logo que a bebê nascera, na Suíça, seria um luxo necessário.

O arranjo durou pouco. A consultora, que no exterior se virava com faxineira em casa poucas horas por semana -ou nem isso-, logo notou que precisaria de alguém em tempo integral e de uma babá.

“Queria fazer como era na Suíça, mas acabei me rendendo. Isso porque o estilo de vida [no Brasil] é totalmente diferente, as pessoas já subentendem que você tem funcionários em casa ao marcar compromissos”, afirma.

“Eu levava minha filha a festinhas e cuidava dela, enquanto outras mães ficavam tomando café. Há uma questão social”, diz Helena, que recorreu à babá como braço direito, mas resiste em delegar os cuidados com a filha quando está por perto.

TRÂNSITO E HORÁRIOS

Há também a questão logística, lembra: o trânsito da capital fluminense (e de outras grandes cidades no Brasil) e as extensas horas de trabalho exigidas por empresas brasileiras, comparadas à flexibilidade europeia, tornavam a dupla jornada como mãe de um bebê e profissional responsável, na maioria dos dias, incongruentes.

O choque de realidade de Helena é comum em uma classe mais alta com vivência no exterior, em que passar o aspirador na própria casa e lavar a louça e as roupas é algo perfeitamente natural.

Recentemente, Michelle Obama, a primeira-dama dos EUA, disse fazer questão de que suas filhas arrumassem as próprias camas e que a mais velha, Malia, de 14 anos, lavasse suas roupas nas máquinas da Casa Branca.

A hora de uma faxineira em Washington não sai por menos de US$ 20 (R$ 39,50), e o arranjo convencional é que a faxina se limite a três ou quatro horas semanais. O valor é 2,5 vezes o do salário mínimo estabelecido pelo governo distrital, de US$ 8,25/hora, acima dos US$ 7,25 fixados pela lei federal.

FIRMAS DE LIMPEZA

Como a contratação por hora virou praxe, outra saída são as firmas de limpeza.

A MaidPro, franquia que se estende por 33 Estados, atendeu ao pedido de orçamento da Folha em dez minutos: a primeira limpeza de uma casa de 80 metros quadrados com dois moradores e sem animais custaria US$ 199, e as subsequentes, semanais, US$ 80, incluindo produtos de limpeza. Duração do trabalho? Duas horas e meia, com duas funcionárias.

A realidade do nordeste americano, uma região mais rica, não é a de todo o país, claro. A Aliança dos Trabalhadores Domésticos, associação de classe do setor, afirma que 23% dos empregados da área no país ainda recebem menos do que o salário mínimo. O percentual sobe para aqueles que vivem na casa das famílias contratantes -raridade nos EUA.

FILHAS NA FACULDADE

Ana, 51, recebe da família para a qual trabalha US$ 1.500 líquidos por mês para cuidar de uma casa com quatro pessoas, incluindo duas crianças, e dois animais.

Peruana, ela está nos EUA legalmente, trazida pelos patrões, e diz trabalhar entre 35 e 40 horas por semana (o que daria uma média de US$ 10 por hora).

Mora com os empregadores, que lhe pagam seguro médico -crucial em um país sem assistência gratuita- e todos os impostos.

Com o dinheiro, ela mandou dois dos três filhos à faculdade e agora começa a pensar na aposentadoria.

Ana é exceção. A Pavillon, uma agência nova-iorquina de empregados domésticos em que babás podem ser contratadas a partir de US$ 1.800 ao mês para meio período, advertem sobre a exploração da mão de obra imigrante e sem documentos.

Mas, com a sofisticação do mercado de trabalho no país, as relações são mais profissionais (e as funções, mais claras) do que no Brasil.

Com isso, o mercado da faxina e dos cuidados com crianças acabam atraindo a classe média. Na Pavillion, a maioria das babás completou a faculdade em áreas como pedagogia ou psicologia.

BICO PARA ESTUDANTES

Daniela, hoje consultora de comunicação de um organismo multilateral, lembra que, em sua época de estagiária, chegou a fazer faxinas em dupla com uma amiga para engordar o orçamento.

“Limpávamos tudo tão rápido, porque o padrão de exigência aqui fora é outro. Era esporádico, um bom jeito de conseguirmos dinheiro quando precisávamos”, conta.

De fato, o padrão difere, e brasileiros tendem a estranhar a vista grossa dos estrangeiros para poeira nos cantos, janelas sujas e o que se esconde atrás dos móveis.

Estupefato diante da oferta de ajuda numa faxina após uma semana de hospedagem, um casal de escritores de Cambridge, Massachusetts, retorquiu: “Por causa de uma semana? Nós não limpamos tudo toda semana”.

*Todos os nomes foram trocados a pedido dos entrevistados.

Trabalho doméstico passa por transformação no Brasil

CLAUDIA ROLLI
DE SÃO PAULO
Com a diminuição do número de pessoas empregadas em serviços domésticos e a ampliação de direitos da categoria, as domésticas passam por um momento de valorização profissional.

A pressão no custo do emprego doméstico é resultado das mudanças que ocorrem no mercado de trabalho e dos ganhos reais do salário mínimo, usado como referência para reajustar seus salários.

O custo do serviço sobe à medida que há menos domésticas no mercado.

O aumento real (acima da inflação) de salário das domésticas foi de 56% nos últimos oito anos, enquanto a renda média dos trabalhadores subiu 29% no período.

Apesar disso, o rendimento das domésticas equivale a cerca de 40% da remuneração média de todos os trabalhadores, segundo o IBGE.

A escassez de mão de obra é causada pela migração das domésticas para outros ramos de atividade, como comércio e serviços, segundo o economista Fabio Romão, da LCA Consultores.

Com o aumento de escolaridade, essas trabalhadoras buscam outras oportunidades no mercado.

O emprego doméstico no Brasil enfrenta um processo de reestruturação que já ocorreu em outros países, como os EUA, e na Europa.

Lucia Garcia, coordenadora do estudo “Trabalho doméstico remunerado no espaço urbano brasileiro”, acredita que a tendência seja de aumento do número de diaristas e de diminuição no de mensalistas.

A proposta que altera a Constituição e concede direitos (adicional noturno, hora extra, jornada máxima de trabalho e FGTS obrigatório) a todos os que prestam serviços domésticos (empregadas, jardineiros, motoristas e babás) pode ser votada na semana que vem.

Ela foi incluída como item da pauta de votações da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ). Se for aprovada no Senado sem alterações, será promulgada pelo Congresso. Caso seja modificada, deverá passar por nova votação na Câmara.

Em Buenos Aires, ter doméstica todos os dias é exceção

Morador de classe média lava suas roupas em casas especializadas e tem costume de comer fora de casa

Trabalho doméstico é em geral feito por imigrantes do Paraguai, do Peru e da Bolívia e custa R$ 16 por hora

SYLVIA COLOMBO
DE BUENOS AIRES
Jorgela Gamarra, 53, trabalha há 24 anos em casas de família do bairro da Recoleta, em Buenos Aires. Desde que chegou de Oruro, sua cidade-natal, na Bolívia, Jorgela disse que nunca ficou sem emprego, mas também jamais foi registrada.

Atualmente, trabalha cerca de dez horas todos os dias, em quatro casas diferentes, e vive na Villa 31, favela localizada no centro da cidade.

“Prefiro as casas com criança, porque obrigam a ficar mais horas e ganha-se um pouco mais”, conta à Folha.

Os trabalhos de empregados domésticos contratados pela classe média na Argentina em geral são assim.

Paga-se por hora (cerca de US$ 8, R$ 16) e o empregado vai uma ou, no máximo, duas vezes por semana na casa do empregador.

Somente as classes mais favorecidas têm empregados “full-time” e contratados. São uma verdadeira exceção.

O trabalho doméstico é predominantemente realizado por imigrantes de países vizinhos, como o Paraguai, o Peru e a Bolívia.

Como a maioria é contratada sem documentos, não há levantamentos precisos.

Apenas uma central sindical, a CTA (Confederação dos Trabalhadores da Argentina), aceita trabalhadores não registrados em sua agremiação, mas não possui números.

Em geral, o portenho de classe média leva uma vida quase europeia em relação a empregados domésticos. Lava-se a roupa em casas especializadas -há uma em praticamente cada quadra- e come-se muito fora de casa, do café da manhã ao jantar.

As poucas horas na semana em que têm um empregado em casa é para limpá-la.

“Eu guardo todas as minhas economias em casa, como vou confiar em empregados?”, diz Ana Mejía, 68.

A preocupação da comerciante aposentada é compartilhada por muitos. Na Argentina, país em que os bancos colapsaram em 2001, a confiança nessa instituição é baixíssima, e as pessoas se acostumaram a guardar dinheiro em em cofres ou armários com chave, em casa.

É o famoso “colchón bank” argentino. Com isso, a desconfiança com relação a estranhos aumentou e as pessoas preferem ter os empregados por menos horas.

“Quase nunca me deixam sozinha. Eu trabalho com a patroa sempre com um olho em mim e outro no que estiver fazendo”, diz Jorgela.

Franceses gastam em média 2 horas por dia para cuidar da casa

GRACILIANO ROCHA
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA, EM PARIS
Na França, país que tem uma das legislações trabalhistas mais restritivas do mundo, ter um empregado doméstico em tempo integral é um luxo a que muito poucas pessoas podem se dar.

No país europeu, a jornada de trabalho é de 35 horas por semana (nove a menos que no Brasil) e o salário mínimo mensal é de € 1.430 (R$ 3.624).

Um estudo do Insee (versão francesa do IBGE) mostrou que cada francês dedica, em média, duas horas por dia para atividades como limpar a casa, preparar refeições e cuidar da roupa. O tempo dobra quando se trata de uma mulher casada com filhos.

Sem poder pagar por uma empregada para todos os dias, muitas famílias de classe média contratam diaristas durante algumas horas por semana -entre três e cinco, dependendo do tamanho da casa.

Elas lavam banheiros, passam aspirador pela casa e passam roupa previamente lavada pela família.

Em média, as empregadas recebem entre € 12 (R$ 30) e € 15 (R$ 38) por hora. O valor chega a € 20 (R$ 51) por hora se a contratação for por meio de uma agência de empregados domésticos.

Desde o pós-Guerra, quando a França passou a ter um Estado de bem-estar social, esse tipo de trabalho cabe majoritariamente a imigrantes de países pobres.

“Franceses não gostam de fazer isso, não. Muitas famílias preferem os estrangeiros porque dão bem mais duro e não reclamam”, diz a baiana Angelina Bastos da Cruz, 52, que limpa casas há oito anos em Paris.

Como autônoma trabalhando em pelo menos três casas por semana, Angelina recebe, em média, € 1.500 (R$ 3.800) por mês -€ 500 (R$ 1.266 a menos do que ganhava antes da atual crise econômica.

Na Espanha, salário médio é de R$ 1.900, acima do mínimo local

LUISA BELCHIOR
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA
País da União Europeia com o maior número de empregadas domésticas, segundo estudo da OIT (Organização Internacional do Trabalho), a Espanha ainda discute melhorias para a classe, que só no ano passado conseguiu o direito a férias, 13º salário e seguro-desemprego.

Mesmo assim, as famílias que contratam o serviço são minoria no país: há cerca de 700 mil pessoas que trabalham como empregadas domésticas, em um país com 17 milhões de lares.

“Para o europeu, ter empregada é coisa de classe média alta”, disse o músico Carlos Gallifa, 45, que viveu por três anos no Rio sem contratar serviços de limpeza.

O salário médio de uma doméstica na Espanha é de € 750 (R$ 1.900), pouco acima do salário mínimo, de € 645 (cerca de R$ 1.630).

Antes do estouro da crise, a Espanha vivia um período de crescimento que reduziu a oferta de empregadas.

Com isso, imigrantes, sobretudo bolivianas e romenas, começaram a ocupar os postos vazios, ganhando menos e trabalhando mais.

Em julho de 2012, as domésticas foram incluídas no regime geral da seguridade social espanhola.

Mas a reforma provocou queda de € 63 milhões (R$ 160 milhões) em seis meses no Tesouro. Isso porque muitos empregadores, que pela nova lei devem pagar pela seguridade social da categoria, deixaram de assinar a carteira para não ter o gasto extra.

“Piorou porque muitos empregadores não querem assinar a carteira, então eu fico sem 13º, férias ou seguro-desemprego”, disse a brasileira Denise Oliveira, que limpa casas em Madri.

Acesse em pdf: A vida sem doméstica (Folha de S.Paulo – 10/03/2013)
•Nos EUA, contratação é por hora e limpeza é superficial
•Trabalho doméstico passa por transformação no Brasil
•Em Buenos Aires, ter doméstica todos os dias é exceção
•Franceses gastam em média 2 horas por dia para cuidar da casa
•Na Espanha, salário médio é de R$ 1.900, acima do mínimo local

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