Oito em dez libertos, no entanto, ainda são pretos ou pardos
(O Globo) Eles são levados para trabalhar longe da sua terra, chegam lá com dívidas que o salário precário não consegue pagar, endividam-se ainda mais para comer. Alguns apanham. São os escravos contemporâneos. E 81% deles são “não brancos”, aponta pesquisa encomendada pela Organização Internacional do Trabalho (OIT) e realizada por um grupo de pesquisa da UFRJ. Segundo o estudo, que entrevistou trabalhadores em condições análogas à escravidão resgatados por operações de fiscalização do Ministério do Trabalho e do Ministério Público do Trabalho (MPT), um quinto dos resgatados é da cor preta, e 62%, pardos. Em 2012, 2.560 trabalhadores foram encontrados nessa situação no Brasil.
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— O percentual de não brancos entre os escravizados de hoje é bem maior do que aquele na população brasileira (51%), e maior até do que os de Norte e Nordeste, que têm os percentuais de não brancos mais altos no país — diz o padre e antropólogo Ricardo Rezende, do Grupo de Pesquisa Trabalho Escravo Contemporâneo (Gptec), professor da UFRJ e um dos supervisores da pesquisa, publicada em 2011.
Também o percentual de pretos é “2,5 vezes superior ao da população brasileira (6,9%)”, diz o estudo, sendo também maior do que o da Bahia (15,7%), com o maior percentual de negros no país.
— Até o século XIX, o recorte para a escravidão era a cor. Agora é a pobreza. Mas dentro dela há o recorte de cor, porque, como os negros são mais presentes na população pobre, estão mais vulneráveis a esse aliciamento — diz Rezende.
Segundo o coordenador nacional de Erradicação do Trabalho Escravo do MPT, Jonas Moreno, mais da metade dos trabalhadores resgatados nas fiscalizações é analfabeta, e sai, principalmente, do Piauí e do Maranhão.
Francisco de Assis Félix, negro e analfabeto — “além do nome, não sei nada” —, é de Barras de Maratauã, “maior exportadora de escravos do Piauí e uma das maiores do país”, diz o auditor do Trabalho Paulo César Lima, do Piauí. Félix foi escravizado no Pará:
— A gente trabalhava das 4h às 19h. Ninguém podia sair da fazenda; um que quis sair, bateram. E, para comer carne, a gente tinha que caçar tatu.
— Já encontramos comida em latas de soda cáustica e de tinta, e pessoas vivendo em barracas na floresta — lembra Roberto Ruy Rutowitcz, procurador do MPT no Pará, que defende a aprovação da PEC do Trabalho Escravo.
Professora de História da UFF, Ângela de Castro Gomes destaca o termo “trabalho escravo”, usado aqui desde os anos 70:
— Não é fortuito. Podia ser “trabalho forçado”, como usa a OIT. Mas falar “trabalho escravo” é uma metáfora que tem força, porque mobiliza a memória nacional. E uma memória ligada ao primeiro grande movimento social do país, o abolicionismo.
Acesse em pdf: 125 anos de Abolição: Escravidão moderna mira hoje a pobreza (O Globo – 12/05/2013)
Leia mais em: Lei contra trabalho degradante ganha regra (Folha de S.Paulo 12/05/2013)