(O Globo) Elas passaram de 12% a 23% do total das empregadas em 10 anos. Com nova lei, parcela deve subir.
O grupo de domésticas que não é beneficiado pelos novos direitos em vias de aprovação no Congresso é justamente aquele que mais cresce: o das diaristas. Em janeiro de 2003 elas representavam 12,6% da categoria nas seis maiores regiões metropolitanas do país (a média anual foi de 14,1%). Em maio deste ano, a fatia havia quase dobrado, 23,7%, para 340 mil diaristas num universo de 1,43 milhão de empregadas. No outra ponta, o grupo das chamadas mensalistas encolheu de 87,4% para 76,3%, mostram dados do IBGE. Especialistas acreditam que a aprovação da lei das domésticas vai intensificar ainda mais esse movimento.
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Regulamentação do trabalho doméstico avança no Senado
– É uma tendência que vinha se acentuando nos grandes centros urbanos e vai se intensificar em todo o país com as novas leis. Primeiro sumiu a empregada em tempo integral, depois a que dormia no emprego e, agora, a que trabalha a semana inteira. Os apartamentos e as famílias já ficaram menores, o que ainda precisa mudar é a divisão sexual do trabalho, com maior participação dos homens – diz Hildete Araújo, professora da UFF e pesquisadora de trabalho doméstico.
Cimar Azeredo, gerente de pesquisas de Empregos do IBGE, vê o aumento no número de diaristas como um indicador positivo. A estimativa é que no país inteiro elas já sejam mais de dois milhões de trabalhadoras. Em parte, o fenômeno é resultado do maior acesso à educação e da melhora no mercado de trabalho, que abriram possibilidades profissionais para mulheres de baixa renda, sobretudo as mais jovens.
– A oferta de mão de obra de mão caiu, e as que ficaram tiveram ganho salarial. Então, foi um fenômeno de causa dupla: famílias trocaram a empregada fixa por diarista para reduzir custos, e trabalhadoras perceberam que indo a várias casas conseguiam até dobrar o salário. E isso vem antes da mudança na lei. Se a lei vai acentuar isso, não se sabe. Mas tudo que incorrer em mais encargos fará com que o empregador não possa ficar com a empregada a semana inteira – diz.
Do lado das diaristas, nem a perspectiva de direitos iguais aos de outros trabalhadores para as domésticas – como horas extras e FGTS, alguns já aprovados pelo Congresso e outros ainda aguardando a regulamentação – parece sedutora o suficiente para que queiram voltar ao trabalho fixo.
– Só me arrependo é de não ter mudado há mais tempo. Hoje trabalho menos e ganho mais. Sustento meus dois filhos sozinha e ainda consigo guardar um dinheirinho. E saio do trabalho antes das 16h para pegar o menor, de 2 anos, na creche – conta Jerusa Camilo dos Santos, de 37 anos, que trabalha no Rio e há dois anos trocou o emprego de 20 anos e o salário mínimo mensal por cinco casas diferentes ao longo da semana, a R$ 90 por dia.
Desde que a regra para as domésticas foi aprovada, a diarista Lucilene dos Santos Pereira já recusou três convites para trabalhar: sua agenda está lotada. Com 39 anos e duas filhas adolescentes, ela ainda faz bicos de babá à noite para outras duas patroas. Antes disso, em 2009, Lucilene, que trabalha em São Paulo, era ajudante de serviços gerais.
Com o incremento da renda e a ajuda do marido, a família de Lucilene conseguiu comprar uma casa e um carro usado, graças ao aumento do número de faxinas. Para coroar o esforço, no início do ano conseguiu realizar outro sonho: trocou o carro já “velhinho” (1995) por um zero quilômetro.
– Dei a metade (do valor do carro), que juntei com o dinheiro da venda do carro velho, e estou pagando a outra parte em 48 vezes – diz ela, que já conseguiu adiantar duas prestações, graças aos bicos como babá.
Patrícia Lino Costa, economista do Dieese, diz que o aumento no número de diaristas reflete mudanças nas famílias, que nem sempre precisam mais de uma pessoa em tempo integral, e necessidade de adequação do orçamento:
– A diarista é mais vulnerável, não tem proteção previdenciária, se fica doente não recebe. Mas é atraída por esse ganho imediato, já que o salário por hora é muito maior do que o da mensalista.
Foi a necessidade desse ganho imediato que seduziu Maria Celia Silva, 56 anos, veterana na profissão e responsável pela limpeza de 14 casas diferentes, ao custo de R$ 100 por dia.
– Trabalho até aos sábados e não tenho espaço para mais ninguém. Quando virei diarista, foi para levar um dinheirinho para casa todo dia. O marido tinha me largado sozinha com três crianças e eu não podia esperar até o fim do mês para receber. Hoje, minhas filhas estão casadas e acho que fiz uma boa opção – conta ela, que faz parte da minoria que paga o INSS para garantir a aposentadoria de um salário mínimo.
Problema futuro na previdência
Patrícia alerta para a necessidade de assegurar garantias a esse grupo de trabalhadoras.
-Temos que repensar a diarista. É um contingente grande, crescente e, na média do país, apenas 4% delas contribuem para Previdência. É preciso um pacto para não deixá-las à margem dos direitos.
Cimar Azeredo lembra que isso tende a gerar um problema no futuro, quando elas não puderem mais trabalhar e precisarem receber um benefício de aposentadoria para o qual não contribuíram.
– Alguém vai ter que pagar essa conta mais tarde. Quem paga são as pessoas que recolhem para a Previdência. (Colaborou Lino Rodrigues)
Carteira assinada a partir de três vezes na semana
Texto aprovado no Senado encerra polêmica sobre definição de diarista. Patrão deve pedir recibo por diaO primeiro artigo do relatório do senador Romero Jucá (PMDB-RR) sobre direitos das domésticas, aprovado semana passada no Senado, promete colocar fim a uma polêmica que se arrasta há anos e é pivô de ações judiciais: o texto deixa claro que empregado doméstico é aquele que presta serviço às famílias “por mais de duas vezes por semana”. Ou seja, quem vai à mesma casa três vezes por semana não é diarista, é empregada fixa e deve ter carteira assinada e todos os direitos garantidos em lei.
– Ele está criando um critério objetivo. Até então a gente tinha uma jurisprudência, mas essa questão é conflituosa e oscilava nas decisões – diz Paulo Périssé, vice-presidente da Associação dos Juízes do Trabalho do Rio de Janeiro.
Para Mário Avelino, presidente do Instituto Doméstica Legal, essa definição entre quem é Doméstica e quem é diarista é um dos pontos mais positivos do relatório. O texto ainda precisa passar pela Câmara e ser sancionado pela presidente Dilma Rousseff, mas este é um ponto que os especialistas acreditam que não será alterado.
-Depois de aprovada, a Justiça não terá mais dúvida, porque uma lei federal pacificou a questão. A partir do terceiro dia na semana é empregada e tem que assinar a carteira – diz Avelino.
Segundo ele, além de não ultrapassar duas vezes por semana, a principal preocupação de quem quiser contratar uma diarista deve ser com os recibos de pagamentos: devem ser feitos a cada vez a que pessoa for à residência.
Sem contrato
O advogado Luiz Guilherme Migliora, especialista em Direito do Trabalho do escritório Veirano, observa que, no caso dessas profissionais, não é preciso controlar os horários.
– A diarista é uma trabalhadora autônoma, as regras das CLT não se aplicam a ela. O ideal é ter o comprovante de pagamento. Mas não precisa fazer contrato nem controlar a jornada. É claro que não se deve colocá-la para trabalhar doze horas, mas não se preocupem, porque ela não vai se sujeitar a isso.
Mais cauteloso, Avelino sugere que se faça também um contrato de prestação de serviços e vai além. Ele sugere que os patrões cobrem das diaristas o comprovante de recolhimento da Previdência.
– O número de diaristas vai aumentar mais daqui para frente, até por falta de reposição de mão de obra Doméstica, já que as mais jovens estão indo para outras atividades. Então, ao pedir o comprovante do INSS, além de mais uma garantia de que não há relação de emprego, o patrão está fazendo um favor para essa mulher. Se amanhã ela adoece, engravida ou sofre acidente, estará coberta pela Previdência.
Hoje, as diaristas podem pagar o INSS com 20% sobre o valor desejado, a partir do mínimo (R$ 678), e se aposentar por tempo de contribuição. Outra opção é recolher 11% sobre o salário mínimo e ter aposentadoria por idade, aos 60 anos, com valor de um mínimo.
Avelino defende um projeto que está no Congresso, garantindo a elas contribuição menor, de 5% do salário mínimo, mesmo benefício dado aos Microempreendedores Individuais (MEI).
Acesse o PDF: Mais diaristas, menos mensalistas (O Globo, 15/07/2013)