(Fábio Mendes/Band.com) Radialista Mara Régia completa hoje 31 anos à frente do programa “Viva Maria”, que trata dos direitos das mulheres na Rádio Nacional
O início dos anos 80 foi marcado pela intensificação da luta pelos direitos das mulheres no Brasil, ainda no crepúsculo da ditadura militar. A tímida abertura política ganhou um grande salto com a ação de lideranças sociais e iniciativas de grande impacto na sociedade. Uma delas completa 31 anos nesta sexta-feira, o pioneiro programa “Viva Maria”, da Rádio Nacional.
A radialista Mara Régia, idealizadora e apresentadora do programa desde o seu início, assumiu o desafio de conduzir em um microfone o debate em torno dos direitos das mulheres. Em 14 de setembro de 1981, o “Viva Maria” foi ao ar pelas ondas da emissora pública. O nome foi inspirado na canção de Milton Nascimento, “Maria, Maria”, lançada três anos antes.
Três décadas depois, a música se tornou um clássico da exaltação à luta e à determinação das mulheres, tão bem sintetizada na luta de Mara Régia. Entre tantas campanhas pelas quais lutou, ela hoje se envolve em uma muito especial: o atendimento às vítimas de escalpelamento – provocados por acidentes com embarcações – na região amazônica.
“O programa surgiu em um momento crucial para a democracia no Brasil e deu a sua contribuição para o processo. Até então, a cidadania das mulheres apenas engatinhava. A cidadania das Marias era de segunda categoria”, diz ela, com a voz levemente enrouquecida pelo clima seco do Planalto Central. “O calor e a secura são impiedosos em Brasília”, desculpa-se.
Bandeiras
A radialista se orgulha de ter sido um pilar dos movimentos reivindicatórios e, principalmente, de essa ação ter produzido resultados práticos. Mais de 60% das reivindicações que pautaram o programa foram atendidas. Conquistas como a licença-maternidade, a licença-paternidade, delegacias especializadas em crimes contra a mulher e a Lei Maria da Penha são alguns dos exemplos.
“Eram coisas impensáveis para a época. Saíamos de uma mordaça, de uma ditadura cruel. Pudemos acompanhar a mudança e também fazer parte dela”, diz, orgulhosa. “O programa foi um divisor de águas, porque até então os programas para a mulher no rádio eram feitos por homens”, completa.
O “Viva Maria” não se limitou a lutar pelo direito das mulheres apenas pelas ondas do rádio. Incontáveis vezes o programa foi às ruas, com entrevistas, passeatas e outros eventos. “Mobilizávamos um grande número de pessoas numa época em que não havia Twitter. Criamos uma pressão tão forte que ficou conhecida como o lobby do batom, que ganhou força com a eleição de mulheres na assembleia constituinte, em 1988”.
História
Por nove anos, o programa foi exibido de sexta a sábado, com três horas de duração na Rádio Nacional, conclamando as mulheres a lutar pelos seus direitos e cobrando as autoridades. Até que o programa foi retirado do ar em 1990, pelo então presidente Fernando Collor de Melo. “Ele veio em nome da ‘modernidade’ e acabou com o Viva Maria”, comentou Mara Régia, com a devida ironia.
No entanto, a história não acabou por aí. Como na canção inspiradora do programa, a radialista mostrou que é preciso ter força e raça, sempre. No mesmo ano, o programa foi para a Rádio Capital, onde permaneceu até 1992. Ainda em 1990, o “Viva Maria” recebeu reconhecimento internacional. O 14 de setembro, data em que o programa estreou, foi considerado “Dia Latino-Americano da Imagem da Mulher nos Meios de Comunicação”. “Esta data foi proclamada em um evento realizado na Argentina, mostrando a força e a importância dos nossos esforços”, afirma.
Em 1993, boa parte do conteúdo e do conceito do “Viva Maria” integrou o novo programa de Mara Régia, “Natureza Mulher”, no ar até hoje pela Rádio Nacional Amazônia.
Mas o programa original retornaria em 2004, pela Rádio Nacional de Brasília, e desde então a radialista comanda os dois programas. “Hoje ele tem uma duração bem menor, mas é importante fazer mais com menos. E ele continua sendo relevante”.
Cor e suor
Mesmo com a longa estrada, Mara Régia não se cansa e nem pensa em deixar os programas. Ela destaca as duras batalhas que ainda estão por vir, entre elas a luta diária contra a violência doméstica, ainda um câncer incrustado no país.
A radialista lembra da intensa campanha em prol das vítimas do escalpelamento e fala de uma outro regime opressivo que sufoca o Brasil, 30 anos após o regime militar: a ditadura da beleza.
“Hoje a mulher é oprimida, praticamente obrigada a seguir um padrão de beleza que não é natural, não é o seu. Elas precisam caber em uma roupa com um manequim 38 para fazer parte desta sociedade, precisa parecer com a Gisele Bünchen, o que é aviltante”, diz ela. “E o mais grave é que faz coisas que prejudicam sua saúde, enquanto continuam com a auto-estima em baixa”.
Acesse em pdf: Há 31 anos, força e raça em defesa da mulher (Band.com – 14/09/2012)