(Folha de S.Paulo) A China, onde vive uma em cada cinco mulheres do mundo, é um dos poucos países do mundo em que as mulheres vêm sofrendo um retrocesso em seus direitos. O fato é revelado por feministas, pesquisadores e dados da Federação de Mulheres da China, criado e administrado pelo governo para representar os interesses das mulheres.
Nos anos 1950, as chinesas desfrutaram ganhos concedidos pelo Partido Comunista, de cima para baixo, graças à máxima de Mao Zedong de que “tudo o que os camaradas homens podem fazer, as camaradas mulheres também podem”.
Hoje, as rendas das mulheres vêm caindo em comparação com as dos homens; as atitudes tradicionais estão relegando as mulheres ao âmbito doméstico e é possível que a receita líquida das mulheres esteja diminuindo. Num momento em que a participação parlamentar feminina cresce em todo o mundo, a porcentagem de mulheres no Legislativo nacional chinês, o Congresso Nacional do Povo, permanece em pouco mais de 20% há décadas.
É claro que as mulheres na China têm mais direitos que as do Afeganistão ou da Arábia Saudita. As mulheres no Egito e em outros países árabes estão vendo seus direitos serem ameaçados ou limitados pela ascensão do poder de islâmicos desde a Primavera Árabe. Mas a China não está emulando a Índia, a Europa, a América Latina ou países africanos como a África do Sul e Ruanda, onde as mulheres vêm ganhando destaque. Isso acontece em parte porque os comunistas temem a reivindicação de direitos individuais no Estado unipartidário.
Não obstante a narrativa oficial, segundo a qual os direitos das mulheres estão bem protegidos, não existe na China nenhum movimento específico para promover as mulheres. Em Pequim, no último 14 de fevereiro, Dia dos Namorados, três mulheres jovens usando vestidos brancos de noiva protestaram contra a violência doméstica, sujando seus vestidos de tinta vermelha. Dias depois, em Guangzhou, estudantes mulheres invadiram a seção dos homens dos banheiros públicos para protestar contra a falta de instalações para mulheres e o status social inferior destas. O protesto vem sendo reproduzido em outras cidades.
Muitas feministas afirmam que não existe nenhuma vontade política de melhorar a situação das mulheres. “Na China, um grupinho muito restrito de homens é quem determina a política, e esse grupinho não vê os direitos das mulheres como sendo uma questão de interesse maior”, disse Hui Jin, 27, estudante de veterinária que organizou o protesto.
A acadêmica Feng Yuan, diretora da Rede de Combate à Violência Doméstica em Pequim, ponderou: “A China não tem movimentos sociais independentes”. E ela sugeriu que a Federação das Mulheres não pode ajudar muito: “Ela faz parte da burocracia e é obrigada a conciliar.”
Não há nenhuma mulher no círculo interno do poder, o Comitê Permanente do Politburo do Partido Comunista, integrado por nove membros; há uma entre os 25 membros do Politburo. Uma entre os 16 membros plenos do Comitê Central do Partido Comunista é mulher. Entre 120 estatais, o setor econômico mais poderoso do país, apenas uma é comandada por uma mulher, informou a “Bloomberg Business News”.
Falta poder econômico às mulheres. O fato muito citado de que chinesas ocupam 7 das 14 posições da lista de bilionários da “Forbes” no ano passado “revela algo apenas sobre essas sete mulheres”, falou Gail Hershatter, professora de história e especialista em mulheres chinesas na Universidade da Califórnia em Santa Cruz.
Na Terceira Sondagem do Status Social das Mulheres na China, conduzida em 2010, quase 62% dos homens e 55% das mulheres disseram que “o lugar do homem é na vida pública e o lugar da mulher é em casa” -aumentos de 7,7 e 4,4 pontos percentuais em relação a 2000. A disparidade de renda entre homens e mulheres está aumentando, segundo constatou a pesquisa; a renda anual média das mulheres é 67,3% da dos homens na zona urbana e 56% na zona rural, uma queda de 10,2% e 23% em relação a 1990. Das mulheres classificadas como “talentos de alto nível” em 2010, 81% tinham diploma universitário -7% mais que os homens, mas 80,5% disseram que eram homens que ocupavam os cargos mais elevados em seus locais de trabalho.
A professora aposentada de inglês Wu Qing, 74, foi durante 27 anos deputada do Congresso do Povo pelo distrito de Haidian, em Pequim; durante boa parte desse tempo, era uma candidata independente escolhida pelos eleitores. No ano passado, porém, ela foi proibida de se candidatar.
“Acho que a decisão veio do primeiro escalão do governo”, disse Wu. “Eles” -o Partido e o Estado- “têm medo de um efeito dominó.” Feminista engajada que em 1987 ajudou a organizar um grupo de estudos femininos em sua universidade, a Universidade de Estudos Internacionais de Pequim, Wu diz que as liberdades políticas são essenciais para as chinesas conquistarem avanços.
“A Índia é um país democrático e a China é um país totalitário”, disse ela. “Na Índia, se as mulheres decidem trabalhar democraticamente em conjunto, podem realizar alguma coisa. Na China, porém, depende de quão bons são os representantes governamentais locais.”
Acesse em pdf: Mulheres em risco na China (Folha de S.Paulo – 19/03/2012)