(O Globo) Brasileiros mais velhos, acima do peso, que praticam pouco exercício físico, fumam e ainda se alimentam mal, além de mulheres que têm filhos mais tarde e amamentam menos. Esses sintomas e hábitos típicos de um país com melhores indicadores econômicos são também alguns dos vilões do aumento alarmante dos casos de câncer de mama no Brasil, que quase triplicou em 30 anos. Enquanto países desenvolvidos que enfrentam a alta incidência da doença têm conseguido controlar as taxas de mortalidade, o Brasil ainda apresenta índices de país subdesenvolvido, com um aumento progressivo no número de mortes. Segundo especialistas, isso tem ocorrido devido ao diagnóstico e tratamento em estágios já avançados da doença.
Casos aumentaram 264%
o período de 1980 a 2010, o número de casos de câncer de mama em mulheres entre 15 e 79 anos no Brasil pulou de 18.597 para 67.752 (aumento de 264%), segundo um levantamento do Institute for Health Metrics and Evaluation (IHME), da Universidade de Washington. Da mesma forma, o número de mortes passou de 5.760, em 1990, para 11.968, em 2009 (crescimento de 100%), e a taxa de mortalidade foi de 7,9 por 100 mil habitantes para 12,3/100 mil neste mesmo período, de acordo com o Datasus. E a maior incidência está exatamente nos estados com economias mais fortes, como no Sudeste.
— A economia e os hábitos são diferentes nos estados brasileiros, e isto é retratado na incidência de câncer. Estima-se que um terço de qualquer tipo de tumor poderia ser evitado. No de mama, a hereditariedade responde por 15% dos registros, então a maioria dos fatores de risco é modificável — explica o mastologista do Instituto Nacional do Câncer (Inca), Carlos Frederico Lima.
O diagnóstico precoce tem sido uma meta do Ministério da Saúde, que apresentou este mês um balanço das mamografias feitas no país. Entre 2011 e 2012, houve um aumento de 16%, passando de 1,8 milhão para 2,1 milhões de exames. Na faixa prioritária, que vai dos 50 aos 69 anos, o aumento foi 21%. Além disso, o sistema público de saúde deverá incorporar um medicamento de alto custo, o Trastuzumabe, que reduz as chances de reincidência.
Até 2014, o ministério diz que aplicará R$ 4,5 bilhões no fortalecimento do Plano Nacional de Prevenção, Diagnóstico e Tratamento do Câncer do Colo do Útero e de Mama. O órgão informou ter fechado 2011 com investimento de R$ 2,1 bilhões no setor. Em 2010, o valor foi de R$ 1,9 bilhão. Mas as ações do governo não têm sido suficientes para frear o avanço do câncer de mama, que deve ter 52.680 novos casos só este ano.
— A partir do início dos sintomas, há uma indicação de 60 dias até a confirmação do diagnóstico. A média hoje é de 147 dias, acima do que está preconizado. A situação está bem aquém do ideal, mas já foi muito pior, existe uma pílula de melhora — acredita Lima.
Quando o diagnóstico é feito precocemente, a chance de cura é de até 95%. Em países em desenvolvimento, como o Brasil, a sobrevida está em torno de 60%. O Inca confirma a tendência de detecção e tratamento tardios da doença como um dos responsáveis pelo alto número de mortes. A Sociedade Brasileira de Mastologia é outra que cobra maior rapidez de atendimento.
— Existem limitações. Uma coisa importante é a falta de mamógrafos e a pouca qualificação dos operadores. Além disso, quando um nódulo é encontrado, demora-se um tempo para se chegar ao diagnóstico de câncer. E depois, ainda são uns seis meses entre o diagnóstico e a cirurgia. Por isso, este ano, a presidente Dilma Rousseff chegou a assinar uma lei para garantir que esse período não passe de três meses. A nossa briga é para que o tempo seja cada vez menor — comenta o presidente da sociedade, Carlos Alberto Ruiz.
Fatores de risco são evitáveis
Uma em cada 12 mulheres, no decorrer da vida, vai ser diagnosticada com câncer de mama no Brasil, segundo estimativa do Institute for Health Metrics and Evaluation. E a maioria dos fatores de risco está ligada ao estilo de vida. Sedentarismo, obesidade, fumo, ingestão excessiva de álcool e alguns tipos de alimentos, como carnes, frituras e enlatados podem aumentar o risco.
Além disso, segundo o mastologista Carlos Frederico Lima, do Inca, estudos ainda não totalmente comprovados mostram que a mulher mais exposta a ciclos ovulatórios, como as que não engravidam ou o fazem mais tarde, têm picos de hormônio com mais frequência, o que agrava a possibilidade de desenvolver o tumor. Na gestação, quando se amamenta, há uma diferenciação celular que confere proteção à mulher.
A reposição hormonal é um tema sem consenso: a Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia garante que a reposição não aumenta essa incidência, já o Inca acredita que combinada com estrogênio e progesterona, ela aumenta o risco.
Acesse em pdf: Contradições do desenvolvimento (O GLobo – 20/10/2012)