(Correio Braziliense) A cada dois anos acontece a Marcha das Margaridas, que mostra para a sociedade brasileira o cotidiano das mulheres do campo e da floresta. Em nosso país, as trabalhadoras rurais vêm construindo uma longa trajetória de resistência para ter o seu trabalho e os seus direitos reconhecidos. Elas têm abraçado o desafio de articular sua agenda específica com as lutas mais gerais, a exemplo da luta pela reforma agrária, pelo acesso à propriedade da terra, assim como pelos direitos sociais e previdenciários.
Para elas, a década de 1980 representa um marco, com a consolidação de organizações próprias, apoiadas numa agenda política voltada para a superação das discriminações e desigualdades e para a afirmação de sua identidade de trabalhadora rural. As conquistas asseguradas na Constituição de 1989 foram um impulso fundamental para a ampliação de seus direitos.
A conquista da cidadania plena é a expressão da igualdade de oportunidades entre mulheres e homens, entre as diferentes classes sociais, raças e etnias. Elas exigem a superação das muitas barreiras criadas pelo preconceito e a discriminação, dificuldades reconhecidamente maiores para as mulheres do campo e da floresta. Por essa razão, apesar dos avanços alcançados, a situação das trabalhadoras no campo ainda é marcada por uma tradição que percebe o trabalho rural como atividades econômicas associadas aos homens, enquanto o trabalho das mulheres é visto apenas como ligado ao autoconsumo familiar.
Em 2006, segundo o Censo Agropecuário, a agricultura familiar respondia por 87% da produção nacional de mandioca, 70% da de feijão, 46% da de milho. E na pecuária, por 58% do leite, 59% do plantel de suínos, 50% das aves e 30% dos bovinos. Mas, contraditoriamente, ainda que a agricultura familiar seja a responsável, em larga medida, pela cesta básica dos brasileiros, o mesmo censo nos informava que quase 1/3 dos trabalhadores da agricultura familiar declarou não ter obtido receita ou rendimentos naquele ano.
É importante assinalar que grande parte do trabalho executado pelas mulheres do campo não é computado sequer como “trabalho não remunerado”. É, na verdade, um trabalho invisível, pois elas, sistematicamente, são reduzidas a coadjuvantes nas atividades produtivas – são “ajudantes” de seus maridos, pais e companheiros, ainda que tenham participação significativa em diferentes instâncias da produção.
Repensar a relação entre o trabalho reprodutivo e o produtivo é um dos desafios mais importantes para as políticas de igualdade de gênero e de incentivo à autonomia econômica das mulheres, historicamente as principais – e em muitos casos, as únicas – responsáveis pelas práticas do cuidado, no âmbito da família e da própria comunidade.
A Secretaria de Políticas para as mulheres (SPM), em parceria com o Ministério do Desenvolvimento Agrário, vem atuando para reconhecer e valorizar as trabalhadoras rurais. Para além de importantes políticas previstas no Plano Nacional de Políticas para as mulheres, a incorporação de suas demandas se reflete em diferentes programas do governo, como o Plano Nacional de Reforma Agrária, o Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar e o Programa Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural.
Um bom exemp lo são os programas de compras governamentais, como o de Aquisição de Alimentos (PAA) e o Programa Nacional de Alimentação Escolar (Pnae), ferramentas que têm possibilitado o acesso das mulheres à comercialização e estimulado o fortalecimento de suas organizações produtivas.
Em paralelo a políticas de autonomia econômica, a SPM tem discutido, elaborado e implementado, em parceria com diferentes ministérios e organizações, outras políticas dirigidas às mulheres rurais. São exemplos as ações desenvolvidas no âmbito do Fórum Nacional para o Enfrentamento da Violência contra as mulheres do campo e da floresta, que tem por objetivo prevenir e enfrentar a violência sofrida pelas mulheres rurais em todo o país.
Enfrentar as desigualdades com vistas à conquista da autonomia das mulheres do campo e da floresta é uma das prioridades da pasta. Superar desigualdades presentes no cotidiano do mundo do trabalho rural, que ainda guarda relações e valores incompatíveis com as conquistas das mulheres, é necessidade de um país inteiro, para que as margaridas possam florescer.
Eleonora Menicucci
Ministra de Estado Chefe da Secretaria de Políticas para as Mulheres da Presidência da República (SPM-PR)