29/10/2013 – Normas aldeãs regulam liberdade feminina em cidade da Índia

29 de outubro, 2013

(Folha de S.Paulo) Meena, 20, era uma menina do interior, por isso sabe identificar as mudanças que ocorrem quando as garotas da aldeia chegam a esta cidade para estudar e sentem o primeiro sabor da liberdade.

Jeans, proibidos em casa, são colocados na mochila para uma troca durante o dia. Um celular é mantido no modo “silencioso”.

Meena sempre as adverte: você nunca sabe quem pode estar olhando. Se na aldeia souberem que uma garota cruzou os limites morais de sua terra -pode ser algo tão simples quanto ser vista conversando com um grupo de colegas homens-, sua vida pode mudar totalmente em um dia.

“Eu lhes digo que precisamos ter cuidado”, explica Meena. “Talvez elas não tenham consciência de que alguém pode vê-las e vá contar tudo em casa.”

Quando as jovens indianas deixam suas casas na zona rural para terminar os estudos nas cidades, elas testam os limites de sua independência.

Mas aqui na região agrícola do Estado de Haryana, onde códigos morais são policiados por vizinhos e parentes homens, a experiência é outra: provavelmente alguém está vigiando.

O velho e o novo se chocam continuamente na Índia, principalmente em lugares como Haryana, Estado rural conservador vizinho de Nova Déli, cujos moradores podem viajar 30 quilômetros para trabalhar em boates e prédios de escritórios. Mas suas aldeias são lugares tranquilos, cujas ruas principais são percorridas por búfalos pretos.

As aldeias são governadas por “khap panchayats”, conselhos masculinos não eleitos que detêm um forte controle sobre a vida social da comunidade, incluindo o comportamento das mulheres. Essa função torna-se muito mais rígida quando as mulheres partem para a cidade.

Quando um líder do khap citou lojas da cidade que permitiam que as moças guardassem telefones celulares e trocassem de roupa, outro sugeriu colocar informantes diante das lojas com câmeras para capturar provas fotográficas.

Om Prakash Dhankar, líder do khap, disse que medidas como essa protegeriam as jovens de perigos muito piores, que ocorreriam se elas se sentissem livres para cultivar amizades masculinas.

“O celular tem um papel importante”, disse ele. “Uma garota sentada em um ônibus liga para um amigo e pede que ele ponha crédito em seu celular. Ele vai colocar o dinheiro de graça? Não. Ele vai encontrá-la em certo lugar com cinco amigos e eles poderão estuprá-la.”

Uma geração atrás, as mulheres aqui viviam isoladas dos homens e só podiam sair com véus cobrindo a cabeça e o rosto.

Muitas ainda não são autorizadas a deixar a casa sem a permissão do pai ou do marido.

Os khaps de Haryana concentram muita energia na defesa de uma única e antiga proibição: homens e mulheres não podem se casar com pessoas da mesma aldeia. A interpretação local dos antigos textos hindus considera os aldeões irmãos e irmãs, o que torna suas uniões incestuosas.

Os jovens desafiam a proibição muito raramente, mas os que o fazem às vezes são assassinados por um grupo de parentes.

Meena, que deixou sua aldeia há vários anos para escapar de um casamento arranjado, disse que as garotas de lá são aterrorizadas pelos mais velhos do khap, que analisam seu comportamento e fazem críticas. Esse comentário, por sua vez, aterrorizou seus pais, que temiam ser segregados.

Se a influência dos khaps alcança as estudantes da faculdade de Rohtak, uma das maiores cidades de Haryana, é outra questão.

Recentemente, garotas da Universidade Maharishi Dayanand descreveram para a reportagem a alquimia que ocorre quando meninas da aldeia se misturam com colegas de grandes cidades. Algumas começam namoros ilícitos, estritamente proibidos em casa.

Sonal Dangi, 20, desdenhou da conversa de controles mais rígidos. “Tudo tem um lado positivo e um negativo”, disse. “Mas eles não podem nos impedir.”

Os árbitros morais da aldeia têm informantes em toda parte, disse Meena. Policiais muitas vezes trabalham com o khap, segundo muitos. Um rapaz da aldeia pode delatar para a família de uma garota se a vir caminhando com um homem, disseram outros. Assim como o motorista de riquixá que a conduziu até a cidade.

Todas as garotas entrevistadas em Rohtak contaram histórias de colegas que simplesmente desapareceram ou foram tiradas da escola e casadas às pressas com homens escolhidos por seus pais, depois que a notícia de uma infração moral chegou à aldeia.

A possibilidade de violência percorre toda a conversa: no mês passado, um rapaz e uma moça que estudavam em Rohtak foram mortos em público pelos parentes da mulher, depois que foram descobertos violando a proibição de namoro na mesma aldeia. O jovem foi decapitado.

“Você sabe”, disse a estudante Puja, 19, “na primeira vez que os pais ouvem falar que a garota está saindo com alguém, ou eles a levam para casa e a fazem casar com alguém ou a matam.”

Dhankar disse que é enganoso ver um choque de interesses entre as garotas e os conservadores da aldeia. Eles estão no mesmo time, afirmou. “Enquanto a garota viver dentro dos códigos morais, ela pode ter tanta liberdade quanto quiser”, disse. “Se forem atrás de casos amorosos ou liberdades extras, serão mortas.”

Acesse o PDF: Normas aldeãs regulam liberdade feminina em cidade da Índia (Folha de S.Paulo – 29/10/2013)   

 

 

 

 

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