(Agência Patrícia Galvão) Em entrevista exclusiva à Agência Patrícia Galvão, a ministra Iriny Lopes, da Secretaria de Políticas paras as Mulheres, fala sobre a posição da SPM diante de casos de sexismo na mídia, como na campanha da Hope, e da importância do diálogo com os meios de comunicação sobre a representação da imagem das mulheres.
A polêmica da Hope contribuiu para o debate sobre os limites e implicações da publicidade.
Debater, sempre. Censurar o debate, nunca!
Agência Patrícia Galvão – Por que a SPM optou por acionar o Conar (Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária) para solicitar a suspensão da publicidade de lingerie da Hope?
Iriny Lopes – O Brasil optou pela autorregulamentação na publicidade e o Conar – que é um conselho constituído pelas próprias empresas e agências de publicidade – estabeleceu as regras, os limites, os parâmetros e o código ético que orienta a publicidade no país. No nosso entendimento, era, portanto, para esse órgão que a SPM deveria levar a solicitação de suspensão da publicidade que consideramos ofensiva às mulheres em vários aspectos. Como ministra me senti, portanto, muito à vontade; era uma solicitação de suspensão que poderia ou não ser acatada. A sociedade brasileira precisa amadurecer; não deve entender as ações do governo como algo autoritário; acionar o Conar foi uma ação legítima, que corresponde à lógica do Conar e à prática democrática; todos têm responsabilidade. Se estamos procurando consolidar a democracia no país, todos têm de fazer sua parte.
APG – Com que freqüência a SPM recebe solicitações para interferir em relação à publicidade?
IL – Cotidianamente recebemos solicitações, denúncias e pedidos, tanto dos movimentos de mulheres como da população em geral, para que a SPM se manifeste em relação a diferentes questões de abuso aos direitos das mulheres, inclusive sobre peças publicitárias. A Ouvidoria da SPM recebeu dezenas de reclamações e manifestações sobre a publicidade da Hope. A prática da Secretaria é confirmar se a denúncia tem consistência e amparo legal e, caso sim, remeter ao órgão competente. O recurso que fizemos, portanto, é legitimo e baseado nas regras do Conar. É assim que construímos um processo democrático.
APG – Como entender a reação da imprensa que, ao mesmo tempo em que defende a autorregulamentação, critica a solicitação da SPM como interferência do governo e censura. Foi má informação ou má fé?
IL – Foi desproporcional a reação da imprensa diante da natureza do recurso que fizemos ao Conar. Houve ambas as coisas: má fé e desconhecimento. Eu me senti censurada pela imprensa brasileira; como se estivessem tentando cercear um direito e um dever legítimo que tenho, de encaminhar aos órgãos competentes as questões que chegam até a SPM. Foi uma reação retrógrada, sexista, incongruente com o próprio pensamento dominante na mídia, de autorregulamentação. Mas isso não nos intimida, porque faz parte do nosso trabalho combater o machismo e o sexismo.
APG – Sobre ofício da SPM à Rede Globo, acerca da abordagem da violência doméstica na novela “Fina Estampa”: qual é a relevância de dialogar com a Rede Globo e sugerir, por exemplo, que a vítima de violência acione o Ligue 180?
IL – É importante reconhecer que as novelas são um instrumento de comunicação direto com a população. Embora sejam ficção, tratam de temas da realidade e, nos últimos anos, têm abordado assuntos importantes, como crianças desaparecidas, interesses da comunidade LGBT, violência contra as mulheres, questões da deficiência e da terra. Em “Fina Estampa”, o personagem é agressivo com a esposa e com a filha adolescente. Ao sugerir à Rede Globo que as vítimas procurem o 180. Esperamos que todas as mulheres em situação semelhante tomem conhecimento do 180, saibam que há um espaço no qual podem ter orientação de como agir. Sugerimos também à Rede Globo um artigo pouco conhecido da Lei Maria da Penha, que é a recuperação e a reabilitação do agressor. A rede pública só oferece esse tipo de serviço ao agressor se o juiz determinar que, além da punição – da qual não abrimos mão, por entender que se trata de um crime – o agressor deverá também procurar um serviço social ou de saúde. Esse processo pode reabilitá-lo e isso pode trazer a recomposição da harmonia da vida familiar.
APG – Foi publicada na mídia que a Central Globo de Comunicações reagiu de forma positiva às sugestões da SPM para a situação de violência doméstica na novela “Fina Estampa”.
IL – Temos feito esforços para ter uma relação de parceria e de diálogo com a mídia, a academia, o Judiciário, o Ministério Público, porque a conquista de autonomia e respeito e a superação da desigualdade entre mulheres e homens não é uma tarefa exclusiva do governo. Podemos ter delegacias da mulher, programas de autonomia financeira para mulheres e muitos outros; porém, se não houver mudança de postura e de cultura, dificilmente essa igualdade será atingida, como é o sonho dos movimentos de mulheres, das feministas e da população como um todo.
APG – Qual é o balanço que a SPM faz a respeito do intenso debate sobre o pedido de suspensão da publicidade da lingerie Hope? Este foi um dos temas mais comentados pela mídia tradicional e pelas redes sociais nas últimas duas semanas.
IL – A polêmica serviu para repensar alguns parâmetros da publicidade brasileira em respeito às mulheres, para abir portas para o debate sobre os limites e possibilidades e as implicações da publicidade. O debate, sempre. Nunca a mordaça.
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Sugestão de pauta: Repercussão da polêmica sobre a campanha “Hope ensina”
Conar libera campanha com Gisele Bündchen (O Estado de S. Paulo – 14/10/2011)
SPM vê avanço em ação do Conar e descarta recorrer da decisão (SPM – 13/10/2011)
Conar libera propaganda da Hope com Gisele Bündchen (Folha.com – 13/10/2011)
09/10/2011 – Quem tem saudades do ‘Homem de Marlboro’?, por Marcos Coimbra
07/10/2011 – Propaganda da Hope mostra sexismo atrasado, diz Iriny Lopes
05/10/2011 – Bündchen também discrimina os homens, por Fausto Rodrigues de Lima
01/10/2011 – Mais sobre a polêmica ‘Hope ensina’