(Terra) A criação de um plano para tentar zerar o déficit de vagas para detentas no sistema prisional do Brasil até 2013 é, de acordo com entidades ligadas à Justiça, louvável, mas não resolverá os inúmeros problemas referentes ao cárcere feminino no País. Mulheres dando à luz algemadas, criando seus filhos em celas ou se relacionando com agentes prisionais são algumas das situações a que são expostas as infratoras. Circunstâncias essas que não se resolvem apenas combatendo a superlotação.
O Programa Nacional de Apoio ao Sistema Prisional, lançado pelo governo federal, no último dia 23, tem como principal finalidade reduzir a superlotação nos presídios. Atualmente, segundo o Ministério da Justiça, há 154,5 mil presos excedentes nas cadeias brasileiras, desses pouco mais de 9 mil são mulheres. Com o investimento de R$ 1,1 bilhão em novas estruturas até 2013, o ministério pretende criar 27,5 mil vagas em cadeias públicas masculinas para reduzir o número de presos em delegacias e 15 mil vagas femininas.
“É necessário somar esforços para cumprir nosso dever, que é tratar as pessoas que estão presas com dignidade, justamente para que quando saírem possam ser reinseridas na sociedade. Temos que construir e ampliar as unidades prisionais, não há alternativa”, afirmou o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, durante o lançamento do programa.
Mas para a presidente da Comissão de Política Criminal e Penitenciária da OAB-SP, Ana Paula Zomer, mesmo que se invista massivamente na criação de novas vagas elas nunca serão suficientes. “A intenção é excelente, o problema é que nossa cultura é uma cultura de encarceramento”, explica. “A longo prazo a solução (para a falta de vagas no sistema) é a construção de escolas.”
A advogada afirma que a população carcerária continuará crescendo, por isso o investimento principal deve ser em prevenção criminal e o cárcere deve ser adotado como última medida. Além da falta de vagas, segundo ela, também não há no Brasil uma cultura adequada para lidar com essas presas. “Você vê, por exemplo, como ocorreu em São Paulo, mulheres dando à luz com algemas no pé e nos pulsos”, adverte.
Somente de 2006 até 2010 o número de presas nos regimes fechado e semi-aberto cresceu 47% conforme dados do Sistema Integrado de Informações Penitenciárias (InfoPen) do Departamento Penitenciário Nacional (Depen). Para o juiz auxiliar da presidência do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), Márcio André Keppler Fraga, uma das possíveis soluções para terminar com a falta de vagas femininas no sistema carcerário seria a adoção de penas alternativas. Mas isso, segundo ele, depende antes de tudo de uma mudança na legislação que prevê atualmente essa alternativa como medida cautelar e não como penalidade.
“O cárcere não está solucionando e não vai solucionar o problema, não temos de ter uma única resposta, uma única ação, e achar que ela vai ser eficiente.” Um das possibilidades de pena alternativa, apontada pelo magistrado, é o monitoramento eletrônico, aplicado apenas pontualmente no Brasil, mas utilizado com êxito em outros países.
Fraga lembra que a maior parte da massa carcerária feminina é composta por mulheres envolvidas com o tráfico de drogas. Com a prisão do marido, que normalmente é quem trafica, elas acabam “compelidas” a levar drogas para dentro das cadeias ou tem de assumir o controle do comércio ilegal para garantir a subsistência da família. Também por isso o magistrado acredita que o cárcere deve ser a alternativa aplicada em último caso.
Segundo ele há diferentes tipos de traficantes. “Quando falamos em traficante logo se vem à cabeça o Fernandinho Beira-Mar, para casos como o dele sim a detenção é imprescindível, mas há outras situações. Não se vai solucionar o problema do pequeno traficante colocando-o na prisão. É preciso criar mecanismos para evitar que ele volte a praticar o tráfico.”
Não havendo essa possibilidade imediata, claro, o investimento em novas estruturas e capacitação de profissionais é uma forma de tentar driblar a falta de vagas. Mas, Márcio Fraga lembra que o cárcere feminino tem particularidades que precisam ser respeitadas. “A lógica da mulher presa é totalmente distinta, a maneira de encarar o problema e a visibilidade é outra. É necessário enxergar esse universo”, esclarece.
Segundo o juiz, muitas das unidades prisionais para mulheres existentes no Brasil são “enjambrações”. “Os presídios femininos são feitos encima daquilo que era um presídio masculino, um almoxarifado. Então as vagas existentes também são precárias.”
O Ministério da Justiça concluiu no dia 22 de novembro o documento Diretrizes Básicas para a Arquitetura Penal que estabelece padrões para orientar os Estados na construção de unidades prisionais. No levantamento consta a necessidade de berçário e creche em presídios femininos, mas essa ainda é uma realidade distante.
Falta de estrutura e abusos
Em junho deste ano o Ministério Público teve de recomendar ao Estado do Mato Grosso a construção de um berçário na penitenciária de Ana Maria Couto May, em Cuiabá. Os filhos das presidiárias estavam dividindo celas com as mães e outras detentas. Segundo Ana Paula Zomer somente entre dois e quatro unidades prisionais brasileiras foram construídas com o intuito de abrigar mulheres. Atualmente, o País conta com 158 estabelecimentos penais femininos.
Além das falhas estruturais, as unidades prisionais femininas contam com a carência de especialização dos profissionais que trabalham nesses locais. “Os agentes já não tem uma capacitação, o que é regra na maioria dos Estados, e quando há eles não são capacitados para o público feminino”, explica o juiz Márcio Fraga.
Em São Joaquim, na serra catarinense, agentes da Unidade Prisional Avançada foram alvo, o fim de novembro, de denúncias sobre o envolvimento de agentes prisionais com detentas. O Departamento de administração Prisional (Deap) do Estado afirma que nenhum servidor foi afastado do cargo por não haver subsídios para afirmar que isso seja verdade. Mas o diretor do departamento, Leandro Lima, admite que as denúncias existem e diz que o Deap está “colhendo informações” a esse respeito. A unidade está passando por uma intervenção do Deap porque “não estava apresentando bons resultados”. Alguns presos, entre homens e mulheres, foram transferidos para outras cadeias.
A direção do Depen foi procurada pelo Terra durante para comentar o programa e esclarecer as perspectivas para que o déficit carcerário não seja um problema constante, mas não retornou os contatos.
Acesse em pdf: Especialistas: plano não sanará falta de vagas para presas no País (Terra – 10/12/2011)