Em artigo publicado no site da Universidade Livre Feminista, a médica Jurema Werneck – integrante do Conselho Nacional de Saúde, coordenadora da Comissão Intersetorial de Saúde da População Negra do CNS, representante da Articulação de Organizações de Mulheres Negras Brasileiras e coordenadora da ONG Criola – critica o Estatuto da Igualdade Racial recentemente aprovado pelo Congresso Nacional.
Leia a seguir alguns trechos selecionados do artigo de Jurema Werneck:
“Decididamente não é bom para gente que, como eu, como tantas e tantos, lutamos cotidianamente para garantir que o desejo da sociedade brasileira por justiça se mantenha vivo e sem entraves (por que eles não nos ouviram?).
Também não é bom para aquelas e aqueles que precisam agora viver e fazer acontecer a certeza que o racismo está mais fraco, que o Brasil pode ser o que um dia desejou ser: uma democracia sem racismo ( por que eles não nos seguiram?)
Tampouco será bom para aquelas e aqueles que, como nós, entendemos representação como compromisso. Trabalho legislativo como escuta – diálogo – com a sociedade (onde foi que estes princípios se perderam?).”
“Preciso dizer que reconheço, além das marcas da grande ignorância orgulhosa, fortes sinais de um racismo também orgulhoso de dizer seu nome em público. Pois o que, senão ele, fez com que parlamentares e partidos à beira da obsolescência acreditem que se pode impunemente ignorar os indicadores de saúde da população negra, que contradizem perspectivas de justiça e de direito. Somente o racismo lhes dá desprezo pelo Outro o suficiente e faz com que aceitem a morte de mulheres negras em taxas seis vezes maiores do que as brancas, por causas evitáveis por um pré-natal destituído de racismo e preconceito, elevando as taxas de morte materna no Brasil a patamares escandalosos. Ou que considerem irrelevante a freqüência de homicídios contra a população negra ter aumentado de 24.763 vítimas de assassinatos para 29.583 entre os anos de 2000 e 2006, segundo dados do Ministério da Saúde, enquanto que a freqüência de mortes de pessoas brancas pela mesma causa caiu de 18.712 para 15.578 no mesmo período. O que traduz riscos insuportáveis de homens negros, especialmente os jovens, morrerem por homicídio e patamares 2,2 vezes mais altas do que para homens brancos. E riscos para mulheres negras 1,7 vezes maiores do que para as mulheres brancas. E estamos falando em resultados da política de desarmamento e das iniciativas de segurança dita pública! Isto acompanhado de maiores taxas de mortalidade infantil para crianças negras, cuja diferença em relação às brancas também aumenta; ou a enorme tragédia do adoecimento mais cedo, de maior vivência de agravamento e complicações por doenças evitáveis ou facilmente tratáveis. E os efeitos devastadores da hipertensão entre nós, com maiores taxas de morte e acidente vascular cerebral e suas seqüelas; ou da falta de diagnóstico e tratamento do diabetes tipo 2, que resultam em maior mortalidade, mutilações, cegueira e suas tragédias pessoais, familiares, comunitárias.”
“Por isso respondo a quem me pergunta que sim, o Estatuto aprovado faz mal para a saúde da população negra, ao Sistema Único de Saúde e à sociedade brasileira. Não por seus efeitos diretos, pois esta mesma população negra, o SUS (que é feito por pessoas, trabalhadoras e trabalhadores, gestoras e gestores, que buscam fazer bem o seu trabalho) e a sociedade dispõem de mecanismos que não hesitarão em usar para garantir que os avanços já conquistados até aqui sejam mantidos. Mas principalmente por que um Congresso Nacional e seus partidos políticos desvinculados tão acintosamente dos sonhos e projetos de justiça social e equidade torna nosso mundo pequeno, menor. Subtrai, entre todas e todos nós, uma fatia da ética e da solidariedade. Magoa nosso desejo de futuro melhor para todas e todos.
Mas, como costumamos dizer e já faz muito tempo: a luta continua!”
Leia o artigo na íntegra: Estatuto da Igualdade Racial é uma ameaça à Saúde da População Negra?, por Jurema Werneck
Contato com a autora:
Jurema Werneck – médica, pesquisadora e diretora da ONG Criola
Criola / AMNB (Articulação de Organizações de Mulheres Negras Brasileiras)
Rio de Janeiro/RJ
(21) 2518-6194/ 2518-7964 – [email protected]
Fala sobre: saúde das mulheres negras; preconceito; racismo