(Carta Capital, 06/04/2016) Mulheres devem ser criticadas por suas ações equivocadas, mas ofensas machistas são inaceitáveis independente de a quem se dirijam
No último fim de semana, a revista Isto É fez uma capa colocando a presidenta Dilma como fora de controle, histérica, louca. Comumente esses adjetivos são atribuídos às mulheres como forma de mantê-las fora de certos espaços, uma tentativa de naturalizar opressões construídas socialmente.
Como se mulheres não pudessem ser racionais e assertivas. Mais uma faceta dessa sociedade machista. A reação à capa foi instantânea, vários grupos se posicionaram contra a tentativa de desqualificação de Dilma, e com razão. É inaceitável que mulheres sejam tratadas dessa forma, negando-nos a humanidade.
Anteontem Janaína Paschoal, conhecida como a advogada do impeachment, fez uma apresentação um tanto patética na Faculdade de Direito do Largo São Francisco num ato de opositores ao governo Dilma. A fala de Janaína, extremamente ególatra e equivocada, foi incrementada com uma quase teatralização.
E o problema não era o teatro, a questão é que foi um péssimo ato. É de impressionar que ela, advogada, e juristas ali presentes, defendam um impeachment sem base legal alguma. Mas, se tratando de Brasil, não surpreende. Com todas as críticas que se deve ter a esse governo é inadmissível alguns tipos de condutas para colocar fim a ele.
Porém, muitos dos grupos que se revoltaram contra a capa da Isto É, atribuíram as mesmas “qualidades” à Janaína Paschoal. Ela foi chamada de louca, histérica, desequilibrada. Dois pesos e duas medidas.
Como feminista, acredito que mulheres devem ser criticadas por suas ações equivocadas, mulheres também oprimem e como diz Beauvoir “não devem estar ao abrigo de toda crítica”. Que se chame Janaína de equivocada, mal intencionada, até mau caráter. Mas ofensas machistas são inaceitáveis independente de a quem se dirijam.
Não se pode ter seletividade quando o assunto é o combate ao machismo.
Fora isso, Janaína foi chamada de Pomba Gira num evidente desrespeito às religiões de matriz africana. Pomba gira é o arquétipo da liberdade, sensualidade, entidade muito desrespeitada e demonizada numa sociedade judaico cristã e que em nada se parece com o show de Janaína.
Pessoas que se entendem de esquerda precisam estar atentas a essas questões. Respeitar símbolos de religiões já perseguidas historicamente, que têm no racismo a base dessas perseguições, é fundamental. Não podem compactuar com visões machistas e racistas. Por qual modelo de sociedade lutam, afinal? É necessário autocrítica e disposição para a desconstrução.
Por uma esquerda verdadeiramente comprometida com as lutas feministas e antirracista.
Acesse no site de origem: Nem da direita e tampouco da esquerda: machismo não pode ser tolerado, Djamila Ribeiro (Carta Capital, 06/04/2016)