(Promotoras Legais Populares, 30/09/2015) O atual quadro político do país é muito preocupante, principalmente para nós mulheres. Não é por menos que, nesse contexto, o Brasil elegeu seu congresso nacional mais conservador desde 1964. Como se já não bastasse vivermos em uma sociedade machista e patriarcal que nos violenta de todas as formas pelo simples fato de sermos mulheres, essa representação do conservadorismo faz com que enfrentemos várias ameaças de retrocesso diariamente.
Ameaças na figura do projeto de lei 5069/2013 que, na surdina de sua tramitação no Congresso, objetiva ferir os Direitos Sexuais e Reprodutivos das Mulheres já garantidos por lei, como a lei 12.845/2013. Esses direitos incluem o aborto legal em caso de estupro e o atendimento humanizado no SUS para casos de violência sexual, incluindo acesso a medicamentos para prevenir consequências ainda mais agravantes advindas dessa violência, como doenças sexualmente transmissíveis e a concepção indesejada. Apresentar um projeto de lei que visa criminalizar o acesso das mulheres a seus direitos no sistema de Saúde para casos de violência sexual é uma afronta não somente às mulheres, mas à toda a sociedade, especialmente em um país, cujos números e projeções mostram que a cada 12 segundos uma mulher é estuprada.
A Lei Maria da Penha (11.340/2006), que trata da questão das mulheres em situação de violência doméstica e familiar, e a Lei do Feminicídio (Lei 13.104/2015), que tipifica o assassinato de mulheres ocorrido por “menosprezo ou discriminação à condição de mulher”, são também avanços que significam vitórias do movimento feminista e de mulheres pelo direito de vivermos todas uma vida sem violência. Avanços esses que a Secretaria de Políticas para as Mulheres da Presidência da República (SPM) têm ajudado a ampliar com iniciativas como a Campanha “Compromisso e Atitude pela Lei Maria da Penha – A lei é mais forte” que tem como escopo unir os atores que compõem o sistema de Justiça a fim de combaterem a impunidade e a violência contra as mulheres de forma mais integrada.
Nós mulheres estamos ainda longe de experimentar plenamente a igualdade de direitos. Infelizmente, apesar de sermos 52,13% do eleitorado brasileiro, ainda somos minoria nas casas legislativas em todos os níveis, federal, estaduais e municipais – mal chegamos a 10% de representatividade naquelas em que somos em maior número; apesar de sermos 42,79% da força de trabalho formal do país, ainda ganhamos 30% menos do que os homens executando o mesmo trabalho – para as mulheres negras essa diferença chega a 50%; apesar do sucesso gradual de nossa luta para estarmos presentes e atuantes nos espaços fora de casa, ainda sofremos abusos de toda ordem, especialmente sexual, quando circulamos pelas ruas e usamos o transporte público; apesar de sermos pessoas de carne e osso, sofremos violência simbólica na mídia que nos apresenta como seres irreais, minimizados em nossa diversidade e em nosso potencial, coisificando-nos e reproduzindo e reforçando estereótipos machistas que tentam retirar de nós a condição de ser humana e dotada de direitos.
Poderíamos enumerar milhares de outras violências que vivenciamos diariamente, mas hoje estamos aqui, a algumas semanas da Campanha dos “16 dias de ativismo pelo fim da violência contra a mulher” para REPUDIAR a mais atual e contundente violência que estamos prestes a sofrer, que é a extinção da SPM e a sua fusão, com a SEPPIR e SDH, em um só ministério.
O que a Presidência da República pretende fazer configura um grande e irreparável retrocesso frente às conquistas que as mulheres alcançaram nesses últimos séculos. Isto porque, a SPM representa, simbolicamente, o Compromisso do Estado Brasileiro em garantir às mulheres uma vida com menos desigualdade e livre de violência.
Ainda há muito a ser feito, mas com certeza estamos no caminho certo para a busca da Igualdade entre os gêneros e o fim da violência contra a mulher. E podemos dizer, sem sombra de dúvida, que o papel hoje desempenhado pela Secretaria é de suma importância para a promoção dos direitos das mulheres, bem como para a criação e efetivação de políticas públicas para estas. Em suma, a SPM representa um instrumento de democratização do Estado que tem como pauta principal defender as mulheres e reconhecer a sua tão negligenciada cidadania.
Ao tomar tal decisão de fusão das secretarias, sob a justificativa de corte de gastos com a Reforma Ministerial, a presidenta faz com que nós, mulheres, voltemos para a invisibilidade histórica, política e social que tanto lutamos para sair.
Extinguir a SPM é pedir para que nós, mulheres, paguemos com nossos direitos, o custo da crise na qual o país se encontra. E isso, presidenta, é um preço que não estamos dispostas a pagar, pois nossos direitos são irrenunciáveis e, após séculos de repressão, não aceitamos dar mais nenhum passo para trás.
São Paulo, 30 de setembro de 2015.
Promotoras Legais Populares
Maria Amélia de Almeida Teles
Crimeia Alice Schmidt de Almeida
Gisele Rodrigues
Lilian Aparecida de Araujo
Rute Alonso
Terezinha de Oliveira Gonzaga
Ticiane Vitória Figueiredo