(El País, 10/08/2016) Listas de “gostosas”, “mulheres de” que ganham medalhas ou belezas loiras de olhos azuis”
Reunimos os casos mais flagrantes de sexismo na cobertura da competição.
Simone Biles é a grande sensação da ginástica nestes Jogos Olímpicos. A nadadora Katinka Hosszu bateu o recorde mundial dos 400 metros e está cheia de ouros, e a norte-americana Katie Ledecky arrasou na piscina, conseguindo o primeiro lugar — e fazendo história — nos 400m livres. Apesar de nos Jogos Olímpicos de 2016 quase 50% dos esportistas serem mulheres (45%, para sermos exatos) e dos impressionantes feitos esportivos que estão conseguindo, muitos meios de comunicação se negam a reconhecê-las como algo mais que um pedaço de carne. É o que afirma um estudo da Universidade de Cambridge que acaba de ser publicado e que afirma que a mídia trata de forma diferente a informação esportiva se (oh, que surpresa!) o protagonista é homem ou mulher. É a conclusão a que chegaram depois de analisar 160 milhões de palavras em jornais, blogs e redes sociais. Os homens recebem três vezes mais espaço e tempo na informação esportiva do que as mulheres, e pior de tudo, as palavras mais usadas com elas são “idade”, “grávida” ou “solteira”, enquanto “rápido”, “forte” e “fantástico” são os adjetivos mais usados quando se fala deles. Esses dados não fazem mais do que certificar o machismo que ainda está presente no âmbito esportivo e que ultimamente está sendo especialmente palpável no tratamento da informação dos Jogos Olímpicos do Rio. É só dar um giro pela Internet para encontrar vários exemplos flagrantes de discriminação e sexismo:
– Allison Stokke, a atleta que vai prender você no salto com vara no Rio 2016 – Marca Buzz
“Será que Allison é a atleta mais bonita do mundo?” Com esta frase começa um ‘artigo’ do site Marca Buzz cujo único objetivo é coisificar a saltadora Allison Stokke. Sem citar em nenhum momento suas conquistas esportivas, o post se limita a inserir fotos da atleta treinando, retiradas de seu Instagram e acrescentando comentários como: “Sem dúvida está em forma”, “O salto com vara espera por você… e por meio mundo” ou “traga ou não medalha, ficaremos orgulhosos dela”. Outros tantos artigos circulam na rede limitando-se a analisar seu físico. Até sua página na Wikipedia dá mais protagonismo a sua fama na Internet como “ícone sexual” do que em analisar sua trajetória esportiva.
Leia mais:
Transmissão da Rio-2016 nos EUA gera polêmica do “sexismo olímpico” (Folha de S.Paulo, 10/08/2016)
– A “mulher de” que ganhou o bronze – Chicago Tribune
“A mulher de um jogador dos Bears ganhou hoje uma medalha de bronze na Olimpíada do Rio”, tuitou o Chicago Tribune depois que a atiradora norte-americana Corey Cogdell ficou com o terceiro lugar na categoria de tiro ao prato. Nem esse mérito nem o fato de ter ficado com a mesma medalha nos Jogos de Pequim pareceram suficientes para o jornal para mudar de ideia de apresentá-la como “a mulher de” nas redes sociais. Apesar de o texto escrito pelo jornalista Tim Bannon incluir o nome da esportista no título, abreviou as conquistas anteriores de Cogdell e preferiu destacar que é casada com o jogador de futebol americano do Chicago Bears Mitch Unrein. Os leitores não demoraram para reclamar nas redes sociais, propondo títulos alternativos e denunciando que “seu nome não é ‘esposa de um jogador dos Bears’. Seu nome é Corey Cogdell. Abaixo os títulos sexistas”.
– A goleira “sem complexos” que pesa 98 quilos e come hambúrgueres? – Marca
O jornal esportivo Marca registrava a surpresa dos fãs diante da “destreza” da goleira do time de feminino de handebol de Angola, Teresa Almeida, apesar de seu “sobrepeso”. “Teve cerca de 34% de acertos, mas o que realmente cativou o pessoal foi sua flexibilidade com o corpo que tem”, diz um artigo totalmente focado no físico da esportista. Por mais que a própria Almeida fale com a publicação sobre seu corpo e dê várias declarações sobre como se sente sendo a “goleira da gordura”, o que verdadeiramente indignou o Twitter foi a forma como o jornal vendeu a notícia nas redes sociais. Os ícones que acompanham o título (a saber: hambúrgueres, batatas fritas e um gato morrendo de rir) só aumentaram a polêmica. O tuíte da discórdia foi apagado.
– Hosszu, a nadadora que bateu o recorde mundial “graças a seu marido” – NBC
No sábado passado, a nadadora húngara Katinka Hosszu quebrou o recorde mundial nos 400 metros, um feito que conseguiu “graças a seu marido”, segundo alfinetou ao vivo Dan Hicks, comentarista da rede de TVNBC. “Ele é a pessoa responsável por este triunfo. É preciso notar como mudou a motivação dela desde que começou a ser treinada por ele. É medo ou confiança o que a está ajudando neste processo?”, comentou o jornalista. Parece que Hicks esqueceu que a nadadora já foi campeã da Europa em 2010 (para citar apenas um dos títulos que ostenta), dois anos antes que seu atual marido começasse a treiná-la e três anos antes de se casar com ele.
– De “gostosas internacionais” a “atletas olimpicamente atraentes” –El Mundo
A manchete que apresentava as “gostosas internacionais nos Jogos Olímpicos do Rio” foi uma das mais polêmicas. Depois de incendiar as redes sociais, o jornal El Mundo decidiu mudar o título da galeria de fotos para “a lista de atletas olimpicamente atraentes”. O jornal considerou o problema resolvido mantendo na chamada um interessante aviso a Gisele Bündchen: “Que a modelo não se acomode porque esta Olimpíada vem com um forte sex appeal”. As reclamações devido à continuidade do foco sobre o físico das atletas se repetiram no Twitter: “O [termo] ‘gostosas’ incomodou… Melhor colocar ‘olimpicamente atraentes’. + Ideaca, por isso que você é chefe!”, escreveu o usuário. Outros tuiteiros comentaram que o jornal também havia publicado o mesmo ranking na versão masculina (primeiro, também sob o título “gostosões” e, depois, com “atletas olimpicamente atraentes”).
A Associação para Mulheres no Esportes Profissional (AMDP, na sigla em espanhol) demonstrou sua “raiva” escrevendo uma carta aberta ao jornal com o título Não são gostosas, são atletas e exigiu um “pedido público de desculpas para o tratamento discriminatório, machista, sexista do artigo”, também compilando outros “comentários sexistas” contidos na publicação.
– Uma foto de Mireia (muito) infeliz — Marca
Com o título Os sete dias de Mireia, o jornal esportivo Marca publicou uma foto em que… bem, muitos não demoraram em identificar e denunciar o conteúdo sexual e machista. Os usuários do Twitter perguntaram ao jornal se não havia uma foto melhor para ilustrar a notícia e o diretor da publicação, J. I. Gallardo, disse em um tuíte, que depois foi apagado, que “excitado é o que vê nessa imagem algo mais do que dois nadadores”. Agora, o artigo mostra outra foto.
– Katie Ledecky é muito boa porque “nada como um homem” (nossa!) – Ryan Lochte
Katie Ledecky conseguiu o ouro batendo o recorde mundial nos 400m livres. Esta jovem, que já havia ganhado um ouro olímpico aos 15 anos, tem nove títulos mundiais e bateu 12 recordes mundiais com menos de 20 anos, deve todo seu sucesso ao fato de nadar “como um homem”. Pelo menos, assim afirmou o também nadador Ryan Lochte, destacando que isso é o que a diferencia das outras. “Nada como um homem. Sua braçada, sua mentalidade, sua força… não vi isso em nenhuma outra garota.” Sem comentários.
– “As bonecas suecas” – Olé
O jornal argentino Olé apresentou as atletas escandinavas como “as bonecas suecas”. Um “grupo de loiras e de olhos claros que chama a atenção de todos na Vila Olímpica”. Além do título, o conteúdo do artigo cobria o jornal de glória: “Loiríssimas, olhos claros por todos os lados e figuras estilizadas fizeram com que os presentes se virassem para vê-las. Isso não significa que outros países, como o nosso, não tenham suas belezas. Mas as bonecas suecas captam a atenção dos olhos humanos”. Quem se importa como elas competem? Para que divulgar uma notícia que analise suas habilidades esportivas se é possível resolver a coisa com um par de fotos e dois comentários sobre a cor do cabelo?
– Atletas que, além de bonitas, são atletas — Vários
Vários meios de comunicação latino-americanos apresentaram a jogadora de vôlei Winifer Fernández como uma mulher que “não é apenas bonita, mas também muito boa jogadora” (como pode uma atleta profissional ser boa no que faz?). Embora Fernández tenha ficado de fora dos Jogos Olímpicos do Rio, esta e outras manchetes machistas percorreram vários veículos dias antes dos Jogos. Basta colocar seu nome no Google para comprovar que muitas publicações lamentam “não poder ver seu físico desfilar no Rio”, enquanto a apresentam como “a dominicana sexy” ou “a bomba do vôlei que esquenta as redes” sem esquecer de avisar seus leitores: “Cuidado, você pode se apaixonar!”.
Clara Ferrero
Acesse no site de origem: Os 9 títulos mais machistas dos Jogos Olímpicos do Rio (El País, 10/08/2016)