É preciso mais do que exames de mamografia para lidar com a prevenção primária do câncer de mama e encarar temas mais complexos
Trazer visibilidade a uma doença como o câncer de mama, que acomete aproximadamente 73.000 pessoas por ano (Instituto Nacional de Câncer, INCA, 2022), e que causa tanta dor e sofrimento a pacientes e suas famílias, é certamente importantíssimo.
O problema é que neste mês de outubro só ouvimos falar de autoexame das mamas e mamografia, duas formas de prevenção secundária controversas. O autoexame não é mais recomendado enquanto prática preventiva de saúde pública porque sua realização não tem se mostrado capaz de diminuir a mortalidade por câncer de mama.
Quem apalpa a própria mama tende a acreditar que glândulas ou alterações sem significado clínico podem ser um problema. E, assim, fazem mais exames, mais biópsias sem, no entanto, reduzir a mortalidade por câncer de mama. A recomendação deveria ser, tocar-se por prazer e conhecimento de si e buscar avaliação caso perceba algo, mas não se tocar em busca de nódulos.
Já a mamografia continua sendo um importante aliado no rastreio de câncer de mama, apesar das divergências de orientação:
- a partir dos 40 anos para todo mundo anualmente (segundo a FEBRASGO – Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia – e a Sociedade Brasileira de Mastologia), ou:
- a partir dos 50 anos (exceto para quem tem história familiar de câncer de mama, que deveria fazer a primeira mamografia aos 40 anos) a cada dois anos (conforme o INCA/Ministério da Saúde).
Desigualdades
Vivemos, no entanto, um paradoxo. De um lado, pessoas de classe média e que fazem rastreios anuais e iniciam esses rastreios muito precocemente, com potencial dano por sobrediagnóstico e uma cascata de intervenções decorrente desses rastreios indevidos. Do outro, pessoas mais vulneráveis e mais suscetíveis ao câncer de mama por uma série de limitações de direitos anteriores relativos à alimentação, atividade física, etc., não têm acesso à mamografia. E elas acabam tendo diagnósticos mais tardios e, por isso, com pior prognóstico, o que ocorre especialmente com mulheres negras e que vivem em regiões remotas do país (Cadernos Saúde Pública, 2018).
A situação é também crítica com pessoas transmasculinas população pouco estudada, que sofre de dificuldade de acesso a serviços de saúde por preconceitos, violência médica e pode por isso ter potencial atraso diagnóstico também.
Qualquer exame pode gerar danos
Mas como assim, mamografias podem gerar dano? Sim, qualquer exame, inclusive os preventivos, podem gerar danos, e por isso a necessidade de serem indicados com base na melhor evidência científica disponível. Também é preciso facilitarmos o acesso à decisão informada e compartilhada.
Qual o impacto do rastreio com mamografia na diminuição de mortalidade por câncer de mama? Vejam: a cada 1.000 mulheres rastreadas com mamografia (a cada dois anos) durante 11 anos, a partir dos 50 anos, previne-se UMA morte por câncer de mama. E, nesse mesmo grupo, 100 pessoas são submetidas a falsos positivos e exames invasivos como biópsias e 5 acabam tendo parte ou toda a mama retirada em tipos de câncer que não progrediriam (Estudo disponível no site do Harding Center).
Campanhas e políticas realmente comprometidas com o combate ao Câncer de Mama precisam focar TAMBÉM em prevenção primária, ou seja, na redução ou abordagem dos seus fatores de risco. São algumas medidas primordiais:
– Acesso à alimentação saudável com regulação rigorosa no uso de agrotóxicos, substâncias relacionadas a uma série de problemas ambientais e de saúde pública, inclusive cânceres;
– Dignidade para viver em Cidades Saudáveis que possibilitem acesso a práticas físicas;
– Direitos sociais para que se possa ter saúde mental e vida digna – a depressão também está associada ao câncer de mama;
– Políticas públicas que garantam o direito à amamentação – amamentar é protetivo contra o câncer de mama;
– Combate ao racismo e redução de iniquidades raciais que faz com que o diagnóstico seja mais tardio entre mulheres negras;
– Inclusão de pessoas transgênero nas campanhas de combate ao Câncer de Mama, políticas públicas de capacitação no atendimento respeitoso a essa população;
– Adequada comunicação sobre risco/benefício de terapia hormonal na menopausa, prescrevendo-a quando realmente indicada (ver artigo sobre menopausa publicado aqui n’AzMina).
– Adequada comunicação sobre riscos de hormonoterapia na transgeneridade e necessidade de acompanhamento de saúde regular.